No Balcão do Quiosque

segunda-feira, 10 de maio de 2010

O Borrateiro

Eu tinha uns...sei lá, doze, quatorze anos. Foi no casamento de meu primo mais velho Mozart, com uma "nãosei" chamada Rosa. Aliás, um doce de pessoa. O casamento seria em São paulo, terra que minha tia Preciosa adotou desde moça e onde criou seus dois filhos, meus primos. Minha família, toda carioca, partiu do Rio em caravana para a grande festa matrimonial. Chegamos na casa de meu primo, no bairro de Cidade Dutra, praticamente ao mesmo tempo. E isso no dia do casamento, o que deve tê-lo atrapalhado bastante, pois receber toda uma tropa de farofeiros e se casar no mesmo dia, deve ser algo complicado. Algo que meu primo fez com tranqüilidade. 
...Mas veio o casório e em seguida os comes e bebes. A melhor parte estava reservada para o dia seguinte.

O pai da Rosa, um agricultor japonês (esse mesmo é que "nãosei" a denominação), quis fazer uma recepção para toda a família, em sua chácara no interior do estado. Lá ele mostraria um pouco da cultura japonesa, principalmente a culinária. Confesso que minha família, toda ela habitante do subúrbio carioca de quarenta, cinquenta...oitenta e tantos anos atrás, não tinha muita noção de que se comia peixe cru no Japão. Hoje a coisa mudou muito...restaurantes espalhados pela cidade, internet, televisão...hoje se come peixe cru em qualquer favela do Rio, mas naqueles tempos era assunto para a nata da sociedade carioca, não para um grupo de moradores de Realengo, acostumados com o ensopadinho de carne seca com repolho da tia Isaura (uma delícia, por sinal). Mas o anfitrião fez um belo banquete para nós. Lembro-me que tomou o cuidado de assar pernis de porcos para nossa família, caso alguém "arregasse" os sushis e sashimis.
Eu comi de tudo. Carne de porco com sashimi, carne de porco com sushi, carne de porco com molho shoyu, carne de porco com gohan, carne de porco com tempurá...foi uma beleza...e está claro que não ficaria bom por muito tempo.

Logo a mistura gastronômica começou a fazer efeito e meu drama passou a ser o de localizar um local aprazível para deixar com que a natureza fizesse seu trabalho de reciclagem. Procura daqui, procura dali, esbarrei com minha prima Lilica, grávida de sei lá quantos meses, que já tinha abortado...não o filho, mas a idéia de entrar no tal "borrateiro". Ela já estava partindo para o matagal mesmo, não sem antes me indicar o caminho da misteriosa e abominável casinha. Acho que ela deve ter-se divertido em me enviar para lá. E eu, menino inocente e puro...fui.

O borrateiro em questão tinha uma peculiaridade. Era uma casinha, que sinceramente não lembro se tinha telhas ou se era a céu aberto, pois não tive como olhar para cima, sob pena de arriscar minha integridade. Mas a parte de baixo... essa era algo como a boca do inferno na terra, cujos detalhes já vou descrever.
Antes quero voltar a afirmar que minha prima "nãosei" Rosa, é um anjo de pessoa. De verdade. Mulher guerreira e batalhadora, que segurou a criação de seus filhos sozinha, após a morte prematura de meu querido primo, esse que na história estava se casando com ela...mas diante dos fatos não há argumentos...e eu estava sozinho no interior do borrateiro, diante de uma experiência única em minha vida.

A estrutura era simples, embora como já disse, não tenha reparado a parte de cima. Tratava-se de um cercado de madeira, com uma porta mambembe, com dobradiças rangendo e um trinco duvidoso. O piso era feito de ripas sobre um "pilotis" de madeira, sob o qual estava a visão infernal. Mais ou menos no centro do piso, havia a falta de uma das ripas. E seria ali, naquela fenda de uns quarenta centímetros de largura, eu iria despejar o que outrora havia sido o almoço da festa. Mas não sem antes observar os detalhes estruturais do engenho (criança é um bicho muito curioso).
Na direção da fenda havia uma tábua inclinada, que descia até mais ou menos metade da altura do "pilotis", no fim dessa tábua, havia uma outra, que descia inclinada no sentido inverso da primeira. Essa segunda tábua ia direto até a morada de Satanás, propriamente dita...a fossa cheia de merda, a imagem do Inferno na Terra.

Para tomar coragem, tentei fazer um xixizinho antes, de modo a observar o funcionamento da coisa. Algumas poucas moscas subiram e a vontade apertou. Arriei o traseiro sobre a fenda e mandei a primeira bomba. Fiquei obsevando o "general" descendo de escorregador na tábua inclinada e mandei o segundo míssil, um almirante a bordo de um cruzador.
Foi interessante observar a corrida entre o general e o almirante. Os dois chegaram praticamente juntos ao final da primeira sessão, mas na segunda o almirante disparou, chegando muito antes no fundo do mundo. Enquanto isso o general ia se arrastando, numa lerdeza irritante. Fiz mais um xixizinho na tábua e venci sua relutância, mandando-o para junto do almirantado e do alto comando militar que havia lá embaixo.

Depois de velho fui entender o funcionamento dessas casinhas. Tratam-se de estruturas itinerantes dentro da propriedade rural, sendo reconstruídas em outro local sempre que a fossa estiver saturada. A vantagem está na adubação natural e gratuita da terra, além da ausência da taxa de esgoto.
Pode ser feio e desconfortável, mas é muito útil.

E voltando ao assunto do escorregador de cocô... criança é um bicho engraçado, e numa hora dessas consegue tirar uma brincadeira e... porque não, uma lição:

"Mesmo entre os merdas... pode haver um vitorioso, não é mesmo?"

Marcos Santos

terça-feira, 4 de maio de 2010

A Marcha da Maconha

O Rio de Janeiro, na verdade Ipanema, foi palco de mais uma passeata pela legalização da baforada. Maconheiros do tipo "cabeças feitas" e "cabeças incríveis" desenterraram, sabe-se lá Deus de onde, disposição para "marchar" a beira mar, pois é mais fresco e ninguém é de ferro.

Mais uma vez, sob o risco de ser tachado de reacionário, vou expor a minha opinião sobre esse assunto.

Todo menino nutre idolatria por alguém. É normal, faz parte da vida. Um dos ídolos que tive na infância, além do meu primo mais velho, foi meu vizinho Paulo Henrique.
Paulo era aquele tipo de adolescente bacana, que protege os meninos menores e os valoriza como indivíduos. Bom de bola, Paulo não usava esse atributo para barrar os mais fracos e pernas de pau de plantão. Nas peladas do Paulo, todo mundo jogava. Estudioso, Paulo foi primeiro entre nós a concluir o ginasial, até que um dia foi apresentado à "inocente maconha".

Diferentemente dos "cabeças feitas" da Zona Sul do Rio, Paulo era um rapaz "baixa renda" da antiga Zona Rural da cidade. Lá, na Zona Rural, só vencia na vida quem trabalhasse. Não existia a opção do papai político, do funcionário público de alto escalão, ou do papai empresário, arrumar aquela "colocação" para o filho bonitão. Lá, quem não trabalha visita rapidamente o lado mais negro da vadiagem. O camarada bate de frente com o desemprego e por decorrência com o crime.

Fui gerente de uma fábrica com mais de 300 funcionários e posso dizer de cadeira:  Eu não entrego um torno, uma fresa, uma retífica, uma prensa, ou qualquer outra máquina operatriz que seja, nas mãos de um maconheiro. E os motivos são simples:  Falta de disposição, falta de reflexos, falta de compromisso. O maconheiro é um péssimo trabalhador, um vagabundo em potencial.

Quando vejo o Deputado Carlos Minc aderindo a essa babaquisse, só consigo pensar que ele tenha merda, mas muita merda mesmo, na cabeça. Talvez se explique por sua origem, onde maconheiros e cheiradores conseguiam aquele "arranjozinho". Onde a produtividade e a responsabilidade de um emprego não faziam parte do cardápio, pois no final, o filé mignon sempre seria servido.

Paulo Henrique não teve essa camaradagem. Da maconha passou para a cocaína e da cocaína sem dinheiro, passou para a cachaça em doses cavalares. Hoje Paulo é um trapo humano, sem condições de ler esse texto.
Meu ídolo de infância, aquele adolescente forte e vigoroso, jaz moribundo. Um zumbi afogado nos seguidos copos da aguardente.

A maconha, na boca de um bacana é uma curtição, na boca do proletariado é o início do triste fim.
Gosto muito de trabalhar, devo ser mesmo um tremendo reacionário.

Em tempo:
A passeata pedindo a liberação da maconha no vasinho, reuniu 1500 pessoas.
A passeata pedindo a aprovação da Lei Ficha Limpa contra a corrupção, reuniu 500 pessoas.


Marcos Santos
Rio de Janeiro

sábado, 1 de maio de 2010

Papo Ecológico 2

O Subversivo.


A maré aparentemente baixa, expunha as ondas que quebravam nos rochedos, próximos ao horizonte.
Mais além, navios gigantescos navegavam em seu trânsito rotineiro.

Todo o cenário tranqüilo e quase estático, nos oferece uma calma e conforto impressionantes. O mar cálido acalenta, e a visão dos navios nos traz segurança. A segurança de que lá, naqueles confins, também é território nosso.

Eis que os rochedos somem de nossas vistas, como que num súbito subir e descer de maré.
Mas o inesperado ainda estava por acontecer, e subitamente uma das rochas emerge na vertical, tal e qual imenso torpedo, expondo toda a verdade dos fatos.
Um grupo de baleias nadava por ali, de maneira a causar a ilusão geológica.

Neste momento meu coração disparou. Fiquei nervoso e agitado. Foi quando alguém deu um grito gutural: Baleeeiaaaaa !!

Todos na praia pararam seus afazeres e, assustados, observaram o magnífico animal. Neste instante uma outra baleia salta para além da superfície e nos oferece um balet gigantescamente leve. Uma leveza de cem toneladas.

Mais alguns saltos, enquanto toda a população observa agitada ao espetáculo cetáceo, até que o último animal mergulha e some nas profundezas.

A multidão em uníssono comenta a furtiva aparição, e a medida que o tempo passa, tudo volta ao normal e as pessoas se acalmam.

O trânsito dos navios e dos barcos de pesca, tomam novamente o protagonismo marinho e pouco a pouco, o povo se acomoda, voltando ao seu ritmo rotineiro.

Agora, a aparição subversiva dos mamíferos gigantes, tornou-se coisa do passado e o mar, finalmente, devolvido a quem de direito. Ao inequívoco homem, o mais “ecológico” dos animais.



Marcos Santos
Rio de Janeiro