No Balcão do Quiosque

domingo, 30 de setembro de 2012

Kepler e a Lua Surreal de Pandora

De todas as ciências, a matemática sempre foi uma espécie de trator intelectual agindo drástica (mente) em mim. Na escola eu levava reguadas na cabeça e puxões de orelhas por causa dessa maldita e rabugenta proprietária dos números.

Nunca me dei bem com números, nem cálculos e muito menos com fórmulas, essas abobrinhas generalizadas e tão exatas que deixam qualquer um atormentado, e “desneuralizado”. Em uma dessas madrugadas alopradas eu sonhei com esse cara aí, o Kepler e sua “física celeste”.

Lembro que era de noite e o céu estava limpo, escuro e repleto de balões desses em que a gente entra e vai dar um passeio nas estrelas. Eram muitos e dava até certo pavor olhar aquela dança metafísica e colorida. Eu estava maravilhada com o balé e o mais assustador é que eu esticava a mão e podia tocar os balões. Muito surreal... Mas o que eu não esperava é que entre os balões existisse uma esfera luminosa, inquebrável e arrogante. Eu disse arrogante? DISSE!! Justamente porque eu não conseguia toca-la. Mas, acreditem ou não num ímpeto desastrado eu voei e fui cair justamente na Lua desgarrada entre seus filhos - os ditos balões.

Eu tinha caído aos trancos e barrancos, mas não sentia dor nenhuma porque eu voava em espírito, livre de todas as dores e males. Lá em cima, na esfera arrogante eu era branca, quase transparente.

Meus movimentos eram refinados e meus pés flutuavam e as cores dos balões passavam por mim como brisa. Continuei deslizando feliz quando me deparei com a figura de uma mulher nua, de pele alva e cabelos cor de fogo. Ela estava sentada em uma pedra e segurava nas mãos uma caixa de prata. Aproximei-me . Ela hesitou! Eu a olhei fixamente e tive medo porque ela rodeou a pedra sumindo nas estrelas. Porém a caixa ficou sobre a pedra... Senti a vontade imediata em abrir a caixa, mas eu me lembrei da matemática que era exata e eu inexata e desativada.

  Os balões continuavam a rodear-me e a Lua surreal começou a girar rapidamente e eu vi relógios e seus ponteiros escravos andarem ao contrário e todos os números gargalhando sobre meus neurônios imbecis que só conheciam o abecedário que só sabiam formar palavras e as palavras só sabiam formar frases e as frases só aprenderam a gerar parágrafos, e então apavorada eu percebi que Kepler estaria em tudo porque tão somente era exato, definido e sem possibilidade de erros. Ele e sua mal falada filha adotiva - a matemática, já que Pitágoras cansou das cornucópias frutíferas de um pentagrama esquecido nos séculos da humanidade.

Acordei espantada , mas feliz porque Pandora desapareceu pra sempre. Ela e sua caixa que só continham males , sombras e mentiras. Contudo ficou uma dúvida: Por que Pandora sumiu deixando a caixa pra mim?

Será que o segredo de Pandora era aquilo que Kepler chamava de razão astronômica da física, onde os males espalhar-se -iam pelo universo e os números ficariam mais acessíveis à esta pobre cabecinha - a MINHA?

Talvez...

Texto dedicado a Pitágoras, o Pai da Matemática e a Kepler, o Pensador das Estrelas.

By Lu Cavichioli São Paulo/ julho/2012

sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Calisto




Da escotilha superior pude observar a olho nu, o módulo de exploração distanciando-se da nave mãe, que pairava numa órbita segura. Fiquei observando-a até tornar-se apenas um ponto brilhante no espaço.
Lá estava a minha única ligação com a Terra e a partir de agora eu estava só.
Meu destino? Calisto, terceira maior lua do Sistema Solar e segunda maior de Júpiter.

Durante a descida pude observar o planeta gigante nascendo no horizonte. Diferentemente do que observamos na Terra, ao nascer da Lua e no alvorecer do Sol, Júpiter ocupa um espaço muito maior no céu "calistiano", nos dando a impressão de que o satélite será tragado a qualquer momento pelas gigantescas tempestades do planeta.

Com um controle totalmente automatizado e inteligente, o módulo de descida favorece as observações obtidas visualmente por seu piloto. Pena que devido ao reduzido espaço interno, apenas um tripulante possa usá-lo por vez, o que causa uma certa depressão devido ao isolamento.
Eu não sei bem como cheguei a esse ponto em minha vida, mas acredito que essa perturbação mental possa ser um efeito colateral da proximidade com um planeta tão grande como Júpiter (sua massa é 318 vezes à da Terra), o que restringe minhas lembranças antigas...mas consigo manter-me focado em meus afazeres de piloto e é isso que importa no momento.
Vejo o solo aproximando-se rapidamente. Sinto um forte sacolejo e finalmente alunizo em Calisto.

É muito boa a experiência de pisar num mundo nunca antes pisado por alguém. Dá uma certa angústia, mas a sensação é única.
Durante o dia, que dura cerca de oito dias terrestres, posso ver nosso Sol, de brilho tênue devido à maior distância da Terra, mas que ainda consegue iluminar todo o hemisfério gelado de Calisto.
Aproveito essa claridade para instalar os equipamentos de exploração e observação. Faço toda parte exploratória enquanto faltam 48 horas para a noite. Noto uma superfície tremendamente irregular e seu imenso número de crateras indicam que em algum período de sua existência, Calisto foi duramente bombardeada por asteroides, cometas, meteoros, meteoritos e todo tipo de precipitações cósmicas.
Finalmente a noite chega novamente e não consigo tirar os olhos de Júpiter, o planeta gigante que paira lindo no céu noturno de Calisto. Meu objetivo é tentar explicar a influência gravitacional de Júpiter no aquecimento do núcleo do satélite, daí a importância em aguardar a chegada da noite, pois é o período em que o planeta gigante eclipsa totalmente o Sol...mas...espere...há algo errado comigo.

Subitamente sinto uma ardência em minha testa, acima do olho direito. Fito com os olhos e vejo uma pequena fissura na lente de meu traje espacial. Provavelmente o incômodo seja efeito da atmosfera gelada de dióxido de carbono entrando no capacete...mas a ardência aumenta e instintivamente tento tocar o local com o dedo médio. Sinto um pequeno estalar de uma microbolsa na ponta do dedo, de onde sai algo úmido e viscoso. Em seguida abro os olhos. Meu dedo está com a digital suja de sangue e...

...O maldito mosquito que me acordou estava morto. Calisto era coisa do passado.


Marcos Santos
Imagem da sonda Cassini-Huygens mostrando Júpiter, Calisto (canto inferior esquerdo) e Europa (no canto inferior esquerdo da Grande Mancha Vermelha).

terça-feira, 25 de setembro de 2012

Conversas que Tive Comigo






Estou lendo “Conversas que Tive Comigo ,” de Nelson Mandela. O livro em si é até um pouco chato, e a leitura às vezes torna-se arrastada, pois é um apanhado de fragmentos de anotações pessoais, cartas e conversas que ele teve com pessoas, relatos de viagens, experiências que teve na prisão, encontros políticos... e até mesmo notas sobre sua saúde. Mas pesca-se  pérolas muito preciosas durante a leitura deste livro, o que seria impossível de não acontecer, devido a grandeza de quem o escreveu.
Mandela diz que a prisão é o melhor lugar para alguém pensar sobre a vida... às vezes, tem-se a impressão de que os vinte e sete anos que ele passou preso, na verdade, foram-lhe leves. Não vi, até agora (estou quase na metade do livro) nenhuma palavra de raiva dirigida contra seus opressores. Será porque as cartas eram censuradas?
O livro só faz aumentar a admiração que sempre tive por este homem único. E a certeza de que eu jamais, em milhões de vidas, seria capaz de ser como ele: entregar a minha vida e  a minha liberdade em defesa da causa de um povo. Arriscar-me a morrer para que outros pudessem ser livres. Pessoas como ele dão a mim uma noção exata de minha pequena pessoa, e de minha quase inexistente colaboração ao  mundo.
Em um dos relatos que mais me impressionaram até o momento, Mandela conta como, durante um julgamento, ele tinha certeza de que seria sentenciado à morte, e que ele não se importava. Tinha certeza, quando o juiz ia começar a ler a sua sentença, que ele estava morto. E a indiferença com que ele trata do assunto, surpreendeu-me; na verdade, chocou-me. É preciso uma grande dose de desprendimento, um idealismo fortemente arraigado dentro do coração, para ter uma reação assim. Qual de nós caminharia para a morte com tanta coragem e indiferença, com a certeza de que estaria fazendo uma troca justa: a vida pela causa?
Acho que pessoas como ele não são seres humanos comuns; são missionários. São maiores do que eles próprios. Não tem , em si, uma gota de egoísmo, e não podem ser comparados a nós, pobres seres humanos comuns.
Vinte e sete anos na prisão, sendo submetido a trabalhos forçados, passando fome, sendo mal-tratado e tendo seus escritos censurados. Durante um período, as visitas só eram permitidas a cada seis meses, e durante apenas trinta minutos. Acho que eu teria enlouquecido. Mesmo que , mais tarde, a dureza tenha sido relaxada, eu fico pensando no quanto a liberdade me é cara... mas eu estou falando apenas da minha pequena liberdade, essa coisinha egoísta de poder ir e vir quando eu quiser, a hora que eu desejar.
A liberdade da qual ele fala em seu livro e pela qual ele luta, é de outra esfera. Nem se compara à nossa. Nem ouso tentar compreendê-la.

domingo, 23 de setembro de 2012

Olhares e rimas perigosas...


Imagem daqui


Naquele prédio, de tudo acontecia...
Dona Marina, tinha diversão garantida a na janela do prédio à frente, tuuuuuuuudo via!!!

Lá podia ver a D.Julieta, que não sabia mais fazer careta.Estava séria, ensimesmada. Uma "porreta"!

Seu Pedroca, nunca mais lá da janela lhe acenara. Estava preocupado em brincar de mocinho ...Mas já nem mais sabia o que era uma ....bota!

AH! Dona Clarimunda! rs Essa, nunca mais  teve a mesma .....alegria!

Tinha a Dona Tereca que de longe, ao banhar-se podia dali ver toda a........ meleca que fazia.

Tinha seu Pinto que tocava violão, cantando com sua voz bem fininha...
Dona Marina que de lá tudo via, apenas sorria...
Ah! Que saudades dele ela sentia!

Chegava a noite...
Janelas se fechavam luzes se apagavam.

As lanterninhas, que eram os olhos da Marina,  mais se acendiam, procuravam...
Tinha o casal de velhos que de touca dormia e...nada acontecia!

Tinha o casal jovem que de janela aberta...a deixava cada vez mais desperta!
Chegava a se enrolar na coberta, deixava apenas os olhos descobertos para ver...gemer!

E quando o dia ,prestes a raiar, só então Marina do chão a se levantar...
Caia dura de sono  na janela, mas não perdia nenhuma fofoca.Como viver sem ela?

Coitada da Marina, um dia um vizinho a viu...
Virara estátua! Não mais se mexia! mas ali ainda jazia. Mas que .....!!!

*************


* Dedicado às várias Marinas que encontrei pela vida. Todas já "estátuas"!
Assim que vi essa linda imagem, lembrei!

 **Voltando ao Quiosque na chegada da nova estação, cheia de alegria e força, agradeço a Lu e desejo que seja linda para todos nós ,seja Primavera para nós ou Outono para os amigos do outro lado...



sábado, 22 de setembro de 2012

Chuva Fininha na Manhã de Sábado





É... nunca estamos satisfeitos com nada... reclamamos da seca que se arrastava há meses, da poeira que voava pelo ar, infiltrando-se casa adentro, descansando sobre a mobília e os tapetes... reclamamos das plantas sequinhas no jardim, as folhas começando a enrugar, secar, cair. Da água da mina começando a ser racionada.

Sábado: acordo de madrugada, com o abençoado barulhinho de chuva no telhado. Aconchego-me ao meu travesseiro, agradecendo a Deus pela chuva que cai. Fecho os olhos para dormir mais um pouquinho, antes de começar as tarefas do dia. Sim, porque as minhas tarefas não descansam no sábado, e as donas de casa bem o sabem, nem mesmo no sétimo dia!

Mas quando eu me levanto da cama, às seis e trinta, não escuto mais o barulho da chuva; apenas um vento com pretensões de tufão, mas que ainda precisa comer muito feijão para chegar até lá, e uma chuva fininha, daquela que penetra nas roupas e nos cabelos e molha os ossos sem que a gente perceba. Ah, que vontade de voltar para a cama! Mas tenho certeza que meu aluno das 10:30 não compreenderia. 

Daí, eu penso: será que você, São Pedro, não se importaria de fazer-nos um favorzinho? Mande uma chuva um pouquinho mais forte, que dure um certo tempo, o suficiente para encher as minas, aguar as plantinhas e limpar o ar; depois, traga o sol de volta, porque amanhã é domingo, e eu queria tanto passear!...


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Obrigada, Lu, pela oportunidade agradável de participar deste novo blog!

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Por estes dias estas linhas perseguiram-me...




... E não perguntem por que..Somente   degustem a sabedoria do poeta!


"Todos esses que aí estão
atravancando meu caminho
eles passarão, eu passarinho"

Quintana




sábado, 15 de setembro de 2012

O CARRO PRATA


O cotidiano se encarregara de preparar tudo como sempre naquela manhã de quarta-feira. Acordei com minha habitual preguiça assim que o despertador me irritou pela terceira vez, corri lentamente para o banho gelado a fim de começar a acreditar que ser adulta e responsável e trabalhadora é parte da vida real... Inconvenientemente real.

Tudo prontinho para esperar a carona do dia, a fim (nem tanto a fim) de chegar ao trabalho. Havia ligado pra minha cunhada mais cedo e estava confirmada a passagem dela. Na hora quase marcada me coloquei a esperar no mesmo bat-local, o braço do sofá, onde me acostumei a sentar e nem posso reclamar quando algum pequeno pestinha visitante o fizer. Esperávamos eu e Cicinha, vizinha, amiga, colega de trabalho. Lá pelas tantas para o carro PRATA na porta e eu ansiosa que só (não acreditem nisso) me encaminhei ao sujeito objeto de quatro rodas. Era PRATA. Era carro. Que diabos de dúvida eu haveria de ter? Consigo bem diferenciar uma brasília de um fusca, o resto é tudo igual.

Enquanto a Cicinha fechava a porta da minha humilde choupana, eu me aproximava da porta do negócio prata, puxei o trinco (carro tem trinco? Maçaneta? Que raios é aquilo?), bem achei diferente do carro da minha cunhada, mas era PRATA, tava valendo. Abri a porta sim senhores!  E no banco do passageiro do carro PRATA da minha cunhada toda organizadinha havia um monte de sacola esculhambada, uma bolsa grande no piso do carro. Estranhei mas mesmo assim me posicionei pra tirar as coisas e sentar, quando olhei pro banco do motorista  e lá estava uma moça loira que definitivamente não era minha cunhada moreníssima do cabelo de índia. A moça falava ao telefone ao mesmo tempo em que acenava enlouquecida, fazendo sinal de NÃO, para eu não me sentar no banco do passageiro do carro PRATA que era dela.

Ela havia parado apenas para falar ao celular, justo na minha porta, que esperava um carro PRATA, que não era fusca nem brasília. Enquanto meu estômago dizia dores de tanto riso, eu tentava dizer pra ela que não era um assalto. Risos  estrondando de lá e de cá. Eu, ela e Cicinha, enquanto ela provavelmente respondia a quem estava do outro lado da linha e perguntava que balbúrdia da gota serena era aquela que  “a moça tinha entrado no carro errado”.

Mas que era PRATA, era sim senhor!

(Milene Lima)