Já repararam como a vida de cada ser humano é como uma produção cinematográfica? Mesmo que algum pai babão na sala de parto, todo paramentado com aquele deselegante roupão verde esterilizados, com uma câmera na mão procurando registrar a consentida cena sanguinária, por muitos decantada como o “vir à luz”, dando o seu primeiro (dos muitos) grito primal, há uma outra câmera oculta em algum misterioso lugar que tudo registra, que tudo grava.
Um diretor dirige a filmagem e certamente deve estar rodando pela enésima vez aquela mesma cena, mesmo que nos possa parecer “inédita e única”. Isso porque os atores não atingiram o ponto certo da interpretação; não deram tudo o que deles se esperava na exigente dramatização da cena. Então
“Ele, o diretor”, megafonicamente diz:
— “Corta! Vamos rodar outra vez. Não ficou bom”.
Você pode perguntar: “Mas e os ensaios? Já antes de todo esse início que parece igual pra todo mundo, não foram feitos? A resposta é uma pergunta:
“Você foi bem no ensaio?”
Não há tempo para chiliques de superstar. Tem que fazer certo. A filmagem tem que continuar; há um roteiro a ser seguido. Produzir uma vida custa caro. Aqui, tempo não é dinheiro. É existência.
O gênero da produção é um capítulo à parte. Pode ser ação, adrenalina pura; um suspense Hitchcockiano; a outro pode ser dito: “a vida desse cara é uma comédia”; drama ou dramalhões parece ser a preferência da maioria; terror que garanta muitos sustos tem público garantido; há os épicos que exigem superprodução e onde entram os efeitos especiais; filme “cabeça” ou também chamado de “artístico”, não rende fama nem público. Só alguns poucos entendem ou disfarçam que entendem.
Há um ponto em comum entre eles: ninguém quer saber se o mocinho morre no fim. E a esperança é que o final seja feliz.
O tempo de duração de cada produção depende de vários fatores. O principal é a moeda corrente aceita em qualquer parte: saúde.
O curioso nessa história toda é que há um fator que escapa à sincronia analógica: na ausência prematura do ator principal, não há reposição. O filme simplesmente acaba. E a coisa toda fica parecendo sem nexo.
Mas e todas as horas de “filmagem”? Não tem cortes?
Pois é, o que parecia ser a película pronta,é apenas horas e horas de rolos para ser editado. E a edição começa depois que acaba.
— Como é? Depois que acaba? Como assim?
A resposta a essa pergunta incomoda tanto quanto dormir na chuva.
Mas existe uma pista. Toda produção possui uma ficha técnica. E ela aparece em fundo preto após o término. E ali vemos quantas pessoas participaram direta e indiretamente de nossa filmagem por mais simples que ela possa ter sido.
E tudo se resume em um The End:
Tela preta, silêncio. Por um momento, tudo escuro.
Sobe a ficha técnica.
Os nomes e funções vão se sucedendo. Que pena. Todas as cenas foram ao vivo. Não foi possível regravar as eventuais incorreções. Se pudesse teria refeito várias cenas; reeditado minhas compreensões.
O sonoplasta me garantiu momentos de audição cristalina, mas muitas coisas não consegui ouvir claramente. Outras finji não ter escutado direito. O figurinista criou vestimentas para todas as ocasiões. O roteirista me deu rotas diversas das quais discordei. As falas me pregaram peças.
Quando deveria dizer não disse. Quando falei, melhor teria sido me calar.
E a trilha sonora então! É só ouvi-la e todas as cenas repassam perfeitamente em minha mente. Mente?
O coadjuvante muitas vezes roubou a cena e eu me achando o personagem principal fiquei ofuscado pela sua atuação.
Figurantes haviam vários. Aliás, sem exagêro, milhões.
Talvez o mais incrível é que só agora tomei conhecimento de quantos participaram na produção da minha história. Ilustres desconhecidos garantiram que inúmeras das minhas performances não passassem despercebidas. Outras tantas ninguém nunca ficou sabendo sequer da existência.
Existência?
Efeitos especiais não poderiam faltar. Em muitos momentos difíceis eles me salvaram a vida criando soluções que pareciam impossíveis. Até mesmo uma sobrevida.
Senti-me um super herói.
Por fim, (ou por início, não sei bem ao certo) devo dizer que qualquer semelhança com coisas, pessoas, histórias, dramas, situações, aventuras, mentiras, ou manipulações que seja, e ainda com mediocridade, esperteza, serviçabilidade, animalidade, inocência, luxúria, sabedoria, amor, etc., etc., etc., que tenha existido, terá sido (ou será) uma incidência profundamente questionável.
Um comentário:
E a vida prossegue imitando a arte... ars gratia ars.
Belo texto.
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