Olhei para os ponteiros. O menor estava junto ao dez e o maior deslizava ponteiramente para o vinte. Sabe, acho que nós e os ponteiros temos algo em comum. Ficamos girando, girando indefinidamente. Não gostamos muito quando algo nos atrasa o avanço ponteiriço com medo que acabe a corda; mas não vemos a hora que a hora continue segundo a segundo, tranquilamente sem alarmes.
O tic-tac — que não é o do meu coração — dá o tom, marca o passo e eu passo... passo a passo disfarçado de tempo antes que o tempo — sempre pontual — possa me encontrar na hora marcada. Isso não importa. O que importa é a porta, é a janela... alguma visão que seja benfazeja tão estonteante o quanto antes; pois antes, nada estonteava-me além de nausear-me a seriedade.
E o que possa existir de mais sério do que perceber que o tempo acabou? Que a hora já foi junto com o tempo. Que nada mais restou do que um relógio parado sem o pulso que um dia pulsou a cada segundo seguido de outro segundo... Esse ser amorfo, fluídico em conluio com os ponteiros de um relógio — não importando se é de marca importada ou se é falsa comprado em um camelô de qualquer esquina — esse mesmo relógio, que já teve o hábito de marcar o óbito sem atrasos... organicamente já demarcou a hora de nascimento que é a hora do esquecimento que o tempo já passou.
9 comentários:
Palavras no tempo certo. Mesmo com o contratempo do tempo.
Muito bom.
Luiz Ramos
Os ponteiros dos relógios sempre dão assunto. Teu texto tem uma construção muito legal! Parabéns.
Gratos amigos Luiz Ramos e Tita Coelho. É um prazer estar aqui e compartilhar com vocês e demais leitores desta satisfação interativa e amiga.
Abraços
Leandro Soriano
Ah! nossos olhos não desviam deles o nervosismo e eles ali andando. As vezes depressa demais em outras parece que não andam.Sim eles os ponteiros do relógio. Muito bom o texto.
Oi Sorinao, você trouxe um tema que sacode os cordéis da existência.
Mais que os ponteiros,o tempo, que corre com pés de velocidade da luz e que sobrevem implacável sobre todos nós.
Texto excelente!
abraços
Uau!
O tempo e o homem. Que sede de viver e tornar a vida eterna...
Adorei, Soriano!
Muito bom. Nós somos o único animal temporal, e do tempo, somos escravos.
O que dizer de um texto escrito por um homem do tempo onde as memórias são sempre atemporais ?
Belo, belíssimo!!
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