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No Balcão do Quiosque
quinta-feira, 20 de janeiro de 2011
Criança tem cada uma
Quando eu era pequena, minha mãe insistia em levar-me a velórios. Ela dizia que era importante conhecer "essas coisas" para eu ir me acostumando. E toda vez que isso acontecia eu me escondia embaixo da cama. Entretanto, era sempre descoberta, considerando que o medo era sempre maior que a imaginação.
Logo que chegavamos eu ia demonstrando toda a sorte de caretas bizarras, tantas quantas eu pudesse criar numa última tentativa de fazer minha mãe desistir levando-me embora. Porém, tudo era inútil. Sua mão em meu braço parecia mais uma prensa gigantesca esmagando meus ossos, fazendo-me sentar naqueles sofás toscos e mal-cheirosos. Eu ficava ali horas a fio; aliás, as piores de minha tenra vida. Sem contar, as vezes que precisava me sentar em outra cadeira - a do dentista.
Com os olhos meio revirados e sobrancelhas franzidas, eu olhava aparvalhada e apavorada aquele caixão preto, de alças douradas, que parecia bem maior que o normal. E sempre tendo a nítida e pavorosa impressão que o morto fosse levantar a qualquer momento e sair andando.
Coisas horríveis então começaram a passar pela minha cabeça, e levando a mão na boca eu pensava:
"Nossa! O que seria daquele defunto? Iriam fechar o caixão, enterrar bem lá no fundo daquele túmulo escuro e frio e...como iriam fazer para cortar as unhas dele? Sim, porque o falecido não poderia mais fazer isso, afinal já estava morto e ninguém mais iria vê-lo. Contudo, suas unhas continuariam crescendo, crescendo, e sairiam como farpas através do túmulo, erguendo-se em uma enorme floresta".
Sem pestanejar, eu olhava para aquelas pessoas em volta do caixão, achando que qualquer uma delas teria a solução para este enigma. O mais curioso é que eu não me atrevia a perguntar nada a ninguém, muito menos à minha mãe com medo de levar uns bons tabefes.
O cadáver continuava seu sono e eu encolhia os ombros numa atitude irônica pensando:
"Ah, prá que me preocupar com isso se da próxima vez eu encontraria um esconderijo infalível, ficando livre desses encontros chatos e tristes? Para que me incomodar? Os donos do cemitério que cortassem aquelas unhas, que certamente cresceriam sujas e escuras".
De repente, num gesto de coragem me levantei e do alto dos meus seis anos me aproximei de uma garota que chorava desde a hora que cheguei, cutuquei sua mão dizendo:
- Ei moça, você já cortou as unhas dele hoje?
by Lu C.
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7 comentários:
Pois é, Lu, ser criança não é fácil... Imagino o medo...
E o mais interessante é que, no meio de tanto medo, bem no auge do pesadelo, ela só queria saber se as unhas seriam cortadas... rs...
Tem razão, amiga, criança tem cada uma!...
Beijos
Ser criança não é fácil...
Eu não gostaria de voltar a ser criança!
Mesmo sem ter nunca sido obrigado a ir a velórios!
Abraços!
Que imaginação, heim? Mas de fato esse não era o melhor dos programas. Minha avó costumava me "sugerir" acompanhá-la em algumas ocasiões dessa... E como rezavam aquelas mulheres, misericórdia!
Beijos, Lu Morena!
Ser criança é muito difícil. Eu sou até hj, sei do q falo =]
- Não tenho queixas da minha infância... um braço quebrado (duas vezes), um quase-afogamento e uns poucos velórios, equilibrados por centenas de horas de brincadeiras felizes e outras tantas de leituras fascinantes.
- Lu, às vezes fico em dúvida quanto ao intervalo mínimo que devemos respeitar entre as postagens no Quiosque. Acho que é falta de educação postar logo depois de um amigo tê-lo feito. Peço a opinião do grupo; de minha parte, sugiro um intervalo mínimo de 48 horas, sempre com alguma tolerância para mais ou para menos.
- E parabéns pela matéria... fez-me lembrar, pelo ambiente criado, clássicos como "Oliver Twist". Abraços.
Olá RR, você tocou num ponto importante aqui no Quiosque - A FREQUENCIA DAS POSTAGENS!
É bom que fique claro que cada cronista deixe um tempo no ar a postagem do outro para que possamos ler, comentar e avaliar com sensatez tudo que foi lido e assim respeitar o direito do outro.
Porque não há regras impostas pelo Quiosque, mas sim o direito mútuo de postagem. Portanto, eu sugiro que deixemos um espaço de uns 3 ou 4 dias para se fazer outra blogada.
As vezes vira uma semana inteira sem postagem, e eu até penso que os cronistas sumiram ou estão sem tempo (o que é mais provável).
Ficam em aberto as opiniões e sugestões.
Abraços RR
Ser criança é muito bom!!! A imaginação os faz viajar e muitas vezes faz com momentos tensos se tornem amenos, pela espontaneidade, pela inocência...
Adorei o texto.Eu Adorei a minha infância, e fui sim em alguns velórios sem nem entender muito o que se passava...
um abraço.
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