Sou ex-fumante. Acho que nunca fui realmente viciada em cigarros, mas houve uma época em minha vida, na qual eu fumei; aliás, duas épocas diferentes. Vou falar da primeira, pois foi mais engraçada.
Meu pai, "Seu" Silvio, era considerado um pai durão, e nossos amigos meninos morriam de medo dele, embora dissessem que era só respeito. Minha irmã, nossos amigos e eu, brincávamos na rua até escurecer, e quando meu pai chegava do trabalho, logo ralhava: "Ester e Ana, já para casa!" Podíamos estar jogando bola, pique-altinho, queimado ou fosse o que fosse, assim que víamos meu pai apontar lá na curva, os meninos paravam tudo o que estavam fazendo e sentavam-se quietinhos, no muro da Alemã (que já foi personagem em uma série que escrevi e publiquei no meu blog, "As Aventuras de D. Iraci e Dona Nena, "As Aventuras de D. Iraci e D. Nena"). Meu pai passava por nós, e todo mundo: "Boa noite, "Seu" Silvio!
Bem, um dia, alguém apareceu com um cigarro. A partir daquele dia, quem fumava, era 'legal', e quem não fumava, era 'otário.' Eu não queria ser otária, e comecei a fumar. Naquela época eu tinha uns onze anos, e minha irmã dezesseis. No início, eu apenas dava umas baforadas sem tragar nos cigarros dos outros, só para entrar na onda; mas logo alguém percebeu que eu não tragava. "Tu não traga?" E eu, que nem sabia o que era aquilo, aprendi naquele dia. Fiquei muito tonta e um pouco enjoada.
Eu comprava cigarros à varejo no bar do Sr. Manoel, que não contava para nosso pai porque dizíamos que os cigarros eram para o nosso irmão. Eu gostava dos mentolados e do cigarro Charm, que era fino e tinha rosinhas desenhadas no filtro. Pensando bem, acho que o Sr. Manoel sabia que os cigarros não eram para meu irmão, pois duvido que ele acreditasse que meu irmão fumava cigarros que tinham rosinhas desenhadas no filtro.
Eu adorava os sábados pela manhã, quando minha outra irmã mais velha saía para fazer compras no mercado com meus pais, e eu ficava em casa sozinha. Pegava meu cigarrinho Charm, dentro do meu armário cuja porta era decorada do lado de dentro com fotos e posters do Queen e adesivos do Yes, rodava um rock na vitrola e, sacando meu diário secreto, acendia meu cigarrinho e tirava a maior onda comigo mesma... escrevia mil histórias...
Um dia, durante a semana, eu peguei um cigarro Hollywood ( pois tinha acabado o Charm no boteco do Sr. manoel) e fui para o bambuzal que tinha atrás da casa, para fumar. Disse a mim mesma: "Desta vez, vou tragar todas!" Assim eu fiz. Já estava na hora de mostrar que eu era mesmo uma menina esperta, durona e antenada. Traguei tudo e acendi outro cigarro, mas tinha que ser rapidinho, antes que minha mãe desse falta de mim. E ela deu.
Quando eu estava totalmente zonza e muito enjoada, ouvi-a gritar meu nome. Saí lá do bambuzal tentando aparentar naturalidade, mas ela sentiu o cheiro da fumaça, e perguntou o óbvio: "Ana, você estava fumando?" E sem ter como negar, já quase vomitando, eu assumi: "É Hollywood, mãe." Mas não teve jeito: vomitei a noite toda. Ela nem contou nada a meu pai, pois achou que eu nunca mais colocaria um cigarro na boca.
Ela estava enganada.
Uma vez, na fila do cinema, eu estava lá com meus amigos, cigarrinho na mão, cabelão comprido e liso tapando um dos olhos, calça Saint Tropez e cara de malvada, quando alguém alertou: "Deu zebra! Lá vem o "Seu" Silvio!" Tarde demais: ele já tinha me visto com o cigarro na mão. Ele chegou perto, e fez a mesma pergunta que minha mãe fizera alguns dias antes, embora estivesse diante do óbvio: "Ana, você está fumando?" E eu, na maior cara-de-pau: "Não, pai, só estou segurando o cigarro para o meu amigo, que foi ao banheiro." E meu pai, para não se aborrecer: "Ainda bem. Eu te dei dinheiro para comprar um doce, não para comprar cigarro."
Ah, como eram boas as festinhas em que a gente juntava os cigarrinhos que tínhamos e dividíamos uns com os outros!
Em uma destas festas, um colega nosso decidiu enganar um outro, que se gabava de estar fumando maconha: pegou um papelzinho de cigarro e enrolou-o com Mate Leão, e deu para ele, que fumou e disse ter ficado "doidão." A gente fazia muitas dessas experiências, de pegar papel de cigarro e fumar algumas ervas alternativas, como mate e chá-preto. Sei que alguns realmente fumavam maconha, mas eu nunca fumei. E quem fumava maconha, não oferecia para a gente.
Íamos para o cinema, naquela época distante em que os vídeo-cassetes nem sequer pensavam em ser inventados, e apostávamos uns com os outros quem conseguiria fumar dentro do cinema sem ser pego pelo lanterninha. Fumar dentro do cinema era proibido. Acendíamos os cigarros, e quando o lanterninha se aproximava, atraído pelo cheiro da fumaça, a gente começava a balançar o cigarro freneticamente, para evitar que se formasse a fumaça. Quando éramos pegos, às vezes o lanterninha nos pedia para apagá-los, e noutras, nos colocava para fora do cinema.
Uma vez, uma senhora nos denunciou ao lanterninha, pois além de fumar, um amigo nosso estava brincando de dar arrotos altíssimos durante o filme. Éramos um grupo de doze meninos e meninas, no Cinema Casablanca, onde também funcionava um hotel de luxo, e era considerado bastante elitizado. Ela apontou para as nossas fileiras (ocupávamos uma fileira e meia) dizendo: 'São todos estes aqui!"
Os que estavam na fileira da frente foram convidados a se retirarem. Logo depois, nós que estávamos na fileira de trás saímos também, pois a aventura perdeu a graça.
Fumar, para mim, era provar que eu era adulta, madura. Significava ter um segredo. Uma coisa para fazer quando os adultos não estivessem olhando. Além de tudo, fumar é gostoso. Não fumo mais, pois descobri que as pessoas que são realmente 'espertas' e 'antenadas,' não fumam. Hoje em dia todo mundo sabe dos perigos e inconveniências do cigarro. Antigamente, alguns médicos até receitavam cigarros aos seus pacientes, para que se acalmassem. Era moda. As pessoas não sabiam direito o que estavam fazendo.
Até que de repente, começou todo mundo a morrer de câncer no pulmão. Começaram a pesquisar, e a divulgar os perigos oferecidos pelo cigarro. Acabou-se a época dourada, quando os cigarros significavam a escolha certa, o voo de liberdade, a opção inteligente e mania de levar vantagem em tudo... embora esta última ainda esteja por aí
Meu pai, "Seu" Silvio, era considerado um pai durão, e nossos amigos meninos morriam de medo dele, embora dissessem que era só respeito. Minha irmã, nossos amigos e eu, brincávamos na rua até escurecer, e quando meu pai chegava do trabalho, logo ralhava: "Ester e Ana, já para casa!" Podíamos estar jogando bola, pique-altinho, queimado ou fosse o que fosse, assim que víamos meu pai apontar lá na curva, os meninos paravam tudo o que estavam fazendo e sentavam-se quietinhos, no muro da Alemã (que já foi personagem em uma série que escrevi e publiquei no meu blog, "As Aventuras de D. Iraci e Dona Nena, "As Aventuras de D. Iraci e D. Nena"). Meu pai passava por nós, e todo mundo: "Boa noite, "Seu" Silvio!
Bem, um dia, alguém apareceu com um cigarro. A partir daquele dia, quem fumava, era 'legal', e quem não fumava, era 'otário.' Eu não queria ser otária, e comecei a fumar. Naquela época eu tinha uns onze anos, e minha irmã dezesseis. No início, eu apenas dava umas baforadas sem tragar nos cigarros dos outros, só para entrar na onda; mas logo alguém percebeu que eu não tragava. "Tu não traga?" E eu, que nem sabia o que era aquilo, aprendi naquele dia. Fiquei muito tonta e um pouco enjoada.
Eu comprava cigarros à varejo no bar do Sr. Manoel, que não contava para nosso pai porque dizíamos que os cigarros eram para o nosso irmão. Eu gostava dos mentolados e do cigarro Charm, que era fino e tinha rosinhas desenhadas no filtro. Pensando bem, acho que o Sr. Manoel sabia que os cigarros não eram para meu irmão, pois duvido que ele acreditasse que meu irmão fumava cigarros que tinham rosinhas desenhadas no filtro.
Eu adorava os sábados pela manhã, quando minha outra irmã mais velha saía para fazer compras no mercado com meus pais, e eu ficava em casa sozinha. Pegava meu cigarrinho Charm, dentro do meu armário cuja porta era decorada do lado de dentro com fotos e posters do Queen e adesivos do Yes, rodava um rock na vitrola e, sacando meu diário secreto, acendia meu cigarrinho e tirava a maior onda comigo mesma... escrevia mil histórias...
Um dia, durante a semana, eu peguei um cigarro Hollywood ( pois tinha acabado o Charm no boteco do Sr. manoel) e fui para o bambuzal que tinha atrás da casa, para fumar. Disse a mim mesma: "Desta vez, vou tragar todas!" Assim eu fiz. Já estava na hora de mostrar que eu era mesmo uma menina esperta, durona e antenada. Traguei tudo e acendi outro cigarro, mas tinha que ser rapidinho, antes que minha mãe desse falta de mim. E ela deu.
Quando eu estava totalmente zonza e muito enjoada, ouvi-a gritar meu nome. Saí lá do bambuzal tentando aparentar naturalidade, mas ela sentiu o cheiro da fumaça, e perguntou o óbvio: "Ana, você estava fumando?" E sem ter como negar, já quase vomitando, eu assumi: "É Hollywood, mãe." Mas não teve jeito: vomitei a noite toda. Ela nem contou nada a meu pai, pois achou que eu nunca mais colocaria um cigarro na boca.
Ela estava enganada.
Uma vez, na fila do cinema, eu estava lá com meus amigos, cigarrinho na mão, cabelão comprido e liso tapando um dos olhos, calça Saint Tropez e cara de malvada, quando alguém alertou: "Deu zebra! Lá vem o "Seu" Silvio!" Tarde demais: ele já tinha me visto com o cigarro na mão. Ele chegou perto, e fez a mesma pergunta que minha mãe fizera alguns dias antes, embora estivesse diante do óbvio: "Ana, você está fumando?" E eu, na maior cara-de-pau: "Não, pai, só estou segurando o cigarro para o meu amigo, que foi ao banheiro." E meu pai, para não se aborrecer: "Ainda bem. Eu te dei dinheiro para comprar um doce, não para comprar cigarro."
Ah, como eram boas as festinhas em que a gente juntava os cigarrinhos que tínhamos e dividíamos uns com os outros!
Em uma destas festas, um colega nosso decidiu enganar um outro, que se gabava de estar fumando maconha: pegou um papelzinho de cigarro e enrolou-o com Mate Leão, e deu para ele, que fumou e disse ter ficado "doidão." A gente fazia muitas dessas experiências, de pegar papel de cigarro e fumar algumas ervas alternativas, como mate e chá-preto. Sei que alguns realmente fumavam maconha, mas eu nunca fumei. E quem fumava maconha, não oferecia para a gente.
Íamos para o cinema, naquela época distante em que os vídeo-cassetes nem sequer pensavam em ser inventados, e apostávamos uns com os outros quem conseguiria fumar dentro do cinema sem ser pego pelo lanterninha. Fumar dentro do cinema era proibido. Acendíamos os cigarros, e quando o lanterninha se aproximava, atraído pelo cheiro da fumaça, a gente começava a balançar o cigarro freneticamente, para evitar que se formasse a fumaça. Quando éramos pegos, às vezes o lanterninha nos pedia para apagá-los, e noutras, nos colocava para fora do cinema.
Uma vez, uma senhora nos denunciou ao lanterninha, pois além de fumar, um amigo nosso estava brincando de dar arrotos altíssimos durante o filme. Éramos um grupo de doze meninos e meninas, no Cinema Casablanca, onde também funcionava um hotel de luxo, e era considerado bastante elitizado. Ela apontou para as nossas fileiras (ocupávamos uma fileira e meia) dizendo: 'São todos estes aqui!"
Os que estavam na fileira da frente foram convidados a se retirarem. Logo depois, nós que estávamos na fileira de trás saímos também, pois a aventura perdeu a graça.
Fumar, para mim, era provar que eu era adulta, madura. Significava ter um segredo. Uma coisa para fazer quando os adultos não estivessem olhando. Além de tudo, fumar é gostoso. Não fumo mais, pois descobri que as pessoas que são realmente 'espertas' e 'antenadas,' não fumam. Hoje em dia todo mundo sabe dos perigos e inconveniências do cigarro. Antigamente, alguns médicos até receitavam cigarros aos seus pacientes, para que se acalmassem. Era moda. As pessoas não sabiam direito o que estavam fazendo.
Até que de repente, começou todo mundo a morrer de câncer no pulmão. Começaram a pesquisar, e a divulgar os perigos oferecidos pelo cigarro. Acabou-se a época dourada, quando os cigarros significavam a escolha certa, o voo de liberdade, a opção inteligente e mania de levar vantagem em tudo... embora esta última ainda esteja por aí
12 comentários:
Ana, sinceramente, li de uma vezada só, como se diz, pura maravilha, você tem o dom da escrita mesmo, tudo muito claro, límpido, você deu vida a um acontecimento que com outra pessoa estaria amarrado às mãos do esquecimento. Olha que até senti saudades do meu Hollywood... puxa, que legal! Cada pessoa tem uma história com o cigarro, eu nem vou falar das minhas experiências, acho que ninguém vai conseguir narrar algo assim tão legal como você conseguiu. Eu vou ser original, Ana: quando eu crescer, quero ser que nem você.
Olá amigo, estou voltando depois de fazer um upgrade na máquina, tudo aconteceu por causa de um apagão de energia, como eu não estava em casa a maquina ficou desprotegida, no retorno da energia ela chegou mais forte que o recomendado pela COELBA empresa distribuidora, queimando alguns componentes, então corri atrás do prejuízo.
Irei ler suas matéria mais antigas e darei minha opinião em comentários.
Boa matéria, já havia postado algo em comum lá no Blog do Lu Cidreira,
Parabéns ao espaço por enfatizar o tabagismo.
Abraço
Olá Ana. Ri muito aqui. Vários fatos de sua "aborrecência" se deram na minha e voltei no tempo, indo parar mais precisamente nos anos 80. O meu algoz se chamava JOHN PLAYER SPECIAL, a caixinha preta. Quanto ao cinema, minha estreia foi no BETE BALANÇO em Niterói. Já no caso das experiências com ervas, nunca as tive, em minha época era o tal do cheirinho da loló. rsrs... Beijão e FELIZ DIA DAS PROFESSORAS! Marcelo Braga.
Muito legal teu jeito de contar e escrever tuas peripécias de fumante e de mocinha. Que bom que hoje és EX . Não faz nenhum bem mesmo,né? E quanto aos "Gersons" ,esses continuam firmes... beijos,chica
Adorei sua narrativa. Infelizmente, sou fumante, mesmo ciente de todas as consequências. E comecei a fumar com mais de vinte anos, acredita? Que tolice tentar se enquadrar, nessa idade. Todos os dias me censuro, mas ainda não consegui parar. Bjs.
OI Ana, pela narrativa vivemos a mesma época de ouro, anos 70 - estou certa? rs
Mito divertido ler suas peripécias na idade das descobertas e desta forma fui lembrando das minhas traquinagens também.
Naquela época todos tinham uma turminha da pesada né... rsrs, eu tb tinha e adorava andar de moto com os garotos da turma, era o must kkkk!
Depois veio a época da auto afirmação, bem tipo o que vc contou aqui, de que aquela(e) que não experimentasse era otário.
E lá fui dando tragadas no cigarro do namorado e ficando com a cabeça zuada tb kkkkkk
E eu tb fumava o Charm, era chique!
Nessa época eu tinha uns 16 anos,depois dessa fase eu parei e nunca mais coloquei cigarros na boca, graças a Deus, ufa!
Adorei ler e conhcer um pouco da ana adolescente.
Bons tempos aquele né miga!
bacios
Excelente trabalho, Ana - Abração
Excelente crônica sobre esta mística relação, adolescentes X cigarros!
Tua história retrata as experiências de muita gente...
Um primor de texto!
Parabéns, Ana!
QUE DELICIA DE LIBERDADE ESTA, PENA QUE ERA PARA O CIGARRO, SEMPRE TIVE MTAS E MUITAS OPORTUNIDADES DE CIGARRO E OUTRAS PIORES, MAS NUNCA TIVE VONTADE, NUNCA GOSTEI DO CHEIRO QUE EXALA E,QUE FICA NA PESSOA, MAS TAMBEM SEMPRE TIVE MEDO. MAS AMEI SUA MANEIRA DE NARRAR, DARIA PRA FICAR LENDO POR HORAS, MTO BOM!
ABRAÇAO E BJS PRA TI!
PATTY!
Ana,
Na minha familia todinha somente minha mãe que fuma. E muito. Logo que minha filha aprendeu a falar, começou a criticar minha mãe. No incio, ela tinha paciencia, depois, quando minha filha cresceu um pouquinho, tadinha...., levava uns forinhas!
Bom mesmo é não ter vícios.
Beijos
Ana,
Na minha familia todinha somente minha mãe que fuma. E muito. Logo que minha filha aprendeu a falar, começou a criticar minha mãe. No incio, ela tinha paciencia, depois, quando minha filha cresceu um pouquinho, tadinha...., levava uns forinhas!
Bom mesmo é não ter vícios.
Beijos
Ana, sensacional como se pode perceber a paixão saudosista pela época narrada, adorei suas memórias, baguncei com vocês no cinema e estou morrendo de medo do seu pai! hahaha!
Sobre o cigarro, as vezes acho que fumar é tão "bonito" quanto não fumar, que o vicio ou a ausência dele não define as pessoas, nem o destino. O único mal real, que constato no dia-a-dia é este poder que o cigarro anda adquirindo de separar as pessoas em grupos distintos, com rótulos, cores e bandeiras próprias...
Um grande abracadabraço
=NuNuNO==
(Preparado para mais um dia tempestuoso em Curitiba)
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