No Balcão do Quiosque

domingo, 24 de janeiro de 2010

A veste sem costura

Havia um reino onde seus habitantes eram todos tecelões. Não conheciam outra atividade. Teciam vestes do linho abundante cultivado nos campos vastos e generosos. Erguia-se o sol e os tecelões já prontos, fiavam mergulhados em serena e profunda concentração. Suas vestes era o que existia de mais importante em suas vidas. Vestir-se era uma arte; e também uma ciência. Tanto que para cada fase da vida era meticulosamente estudado a tecedura com variações de tramas que se alinhavam adequadamente ao corpo de cada habitante.

Certo dia, distraidamente, um andarilho adentrou os limites do reino e foi ter em pleno centro da sede do reinado. Imediatamente chamou a atenção de todos pois algo incomum se apresentava. O andarilho estava nu; completamente sem vestes. Um coro de Ohhhhhh!!! ... das senhoras e dos mais pudicos senhores, se fez ecoar. As damas escondiam os rostos das crianças na intenção de evitar que elas tomassem conhecimento da real natureza existente por debaixo das vestes. Afinal, nunca naquele reino alguém fora visto sem suas vestes. “Que infâmia!” diziam todos.

O caminhante se manteve parado com o semblante sério direcionado para onde o nariz apontava. Nenhuma piscadela, nenhum gesto facial direcionado para direita ou para a esquerda.
Em meio aos apupos e achaques da turba, uma criança puxando a veste da mãe, observou em voz alta:
— Ele é cego! Ele é cego!

Imediatamente todos pararam com a balbúrdia e focalizaram seus olhares para o calejado andarilho. Estrondosos risos se fizeram ouvir por todo entorno da sede central.

De repente o andarilho sério sem esboçar nenhum traço do mais leve sorriso, disse:
— Saudações a todos. Digam-me, em que região me encontro?
— Adentrastes desapercebidamente no reino dos tecelões — disse uma voz empostada do alto da escadaria da sede.
— É mesmo? Ora, nunca ouvi nada a respeito de tal reino. Como é por aqui? Podeis descrever-me?
— És desprovido da visão por nascença meu caro peregrino sem rumo? — indaga a voz.
— Sim sou. Nunca vi a luz do sol nem das estrelas. Não sei que cor tem o céu. Nem ao menos tenho conhecimento do que possa significar isso que chamam de cor.
— E como podemos lhe descrever algo ao qual não tendes e nem podes ter nenhuma referência visual?
— Mas eu posso sonhar. E é nos sonhos que busco minhas referências. Certa vez sonhei que estava em queda livre como uma pedra que despenca dos rochedos. Ao cair, senti minhas costas cravadas por várias formas pontiagudas tão finas como agulhas. Alguém então me disse que eu havia caído em cima de um roseiral. E que todas as rosas ali plantadas eram vermelhas.
Dessa forma associei a dor profunda com o vermelho das rosas.

— Mas que forma estranha de ver as coisas! Porque tem que ser através da dor? Porque não através do perfume? — redarguiu alguém na multidão.
— É fato, concordo. Porém quem me garantiria a autenticidade do perfume? A dor a qual me refiro não é exatamente uma dor física, mas, é a que me deixa consciente. Consciente eu “vejo”; e “vendo”, sei distinguir sonho de realidade.
— Essa é boa mesmo! Como pode você sendo desprovido da visão distinguir o que é sonho e o que é realidade?
— Você que tem a visão, e que pelo visto sabe bem discernir o real do sonho, poderá, talvez, entender o que tentarei explicar — disse o andarilho.
— Ótimo, então explique-me; sou todo ouvidos e olhos... E a multidão desabou em gargalhadas após essa irônica e mordaz resposta.
Sem se abalar, o peregrino calmamente expôs suas idéias:

— Amigos, nesta existência, nasci sem poder ter o privilégio de enxergar; ver o mundo em todo o seu esplendor com sua rica natureza; mas nem sempre foi assim. Houve uma era muito antes de nascer e morrer, em que minha visão era total e perfeita. Tudo e a todos minha visão alcançava e penetrava; tal era esse dom que com a simples pressão de minha vontade, poderia aprofundar-me tanto micro como macrocosmicamente qualquer recanto de vida; maravilhava-me descobrir mundos em uma partícula atômica; depois dava saltos visionários que abrangiam os quatro cantos do infinito macrocósmico. O alcance dessa visão não apenas enxergava mas criava vida, criava mundos.

Porém em certa ocasião voltei meu dom para um domínio onde a visão que tive foi de meus próprios olhos olhando a mim mesmo. Enamorei-me do que vi; e o que vi fez surgir em mim um sentimento que nunca houvera experimentado: o poder. E do poder veio a vaidade e da vaidade algo endureceu no âmago do meu ser. Nasceu a centralização em mim mesmo. Isso afastou-me da luz. Ficar cego foi uma questão de tempo. Eu que só a eternidade conhecia, perdi algo que vocês tentam copiar mas não atingem: a veste sem sutura.

— O quê! Você possuía a veste sem costura? Estamos tentando há séculos! Nossos antepassados deixaram-nos indicações e diretrizes escritas em longos livros; escolas surgiram para ensinar várias gerações mas nossas melhores vestes desfiam com o tempo e perdem sua alvura. Conte-nos qual a técnica, o conhecimento para confeccioná-la sem que um só fio se entrecruze na costura? Mas espere... você acabou de dizer que nasceu sem a faculdade da visão. Como então pode dizer, que nem sempre foi assim?

— Em meus sonhos, eu posso enxergar. Só que as visões são de uma realidade que vocês não enxergam. Para mim é tudo muito claro; para vocês é como se fossem todos cegos.
— Então você poderá nos ajudar a tecer a veste sem costura.
— Minha única ajuda pode ser ensinar a vocês aquilo que vocês mais temem.
— O que nos poderia ser tão temeroso além do fato de nossas vestes não perdurarem muito tempo?
— A vossa nudez. Enquanto não abrirem os olhos para o que as suas vestes na verdade escondem e não simplesmente cobrem, será em vão toda essa cultura tecelã. O que na verdade chama de vestes, não passa de trapos, andrajos de uma vergonha “civilizada”.

Dizendo isso diante de olhares boquiabertos, desabou ao chão duro como rocha.
Ninguém se mexeu um milímetro por aquele corpo estatelado.
Então a criança se aproximando disse:

— “Ele voltou a enxergar”.

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Haiti

Escala Richter: Mede a potência do abalo sísmico provocado por um terremoto.
Escala compreensão: Mede a potência do estado de consciência provocado pelo imprevisível da existência humana.
Porque precisamos de tragédia para despertar da letargia do maior inimigo da vida humana nesta era tão decantada em reversos e provas denominado de rotina?

A rotina age subrepticiamente como anestésico à percepção já tão combalida pela pressão existencial. Temos olhos mas não vemos; temos ouvidos mas não escutamos; nossa língua não fala, imita; não aspiramos mas, sufocamos e nossas mãos tateiam no escuro. Exagero?
É exagero uma fenda sacudir por alguns segundos (alguns segundos) um território nação e transformá-lo em um amontoado de corpos e escombros como se fora um gigantesco “lixão”?

E dos escombros emerge o conhecimento da existência de almas dedicadas a amenizar o sofrimento alheio como essa Sra. Zilda Arns. Não me compraz a sua opção “religiosa”, mas a sua rotunda disposição em ajudar. Nisso está o seu valor. E isso sem o alarme midiático que agora se refestela em anunciar para o mundo a sua personalidade e importância global.

E ao grafar nação a referência aponta para um país onde a diferença entre ser pobre e miserável está por um alfinete. E isso abrange mais de 80% da população. A civilização mundial atual gaba-se de ser “A CIVILIZAÇÃO” como se as do passado longínquo pudessem ser definidas como atrasadas ou arrastando-se primitivamente através dos tempos. O ser humano não passa de uma frágil camada de consciência moral racional vivendo em cima de placas tectônicas formadas pelo imponderável das forças naturais que enigmaticamente revoluteiam nas profundezas de seu subconsciente.

Quando nos deparamos com uma tragédia humana dessa magnitude é exatamente essa magnitude que nos abala interiormente; movimentam nossas placas internas causando um terremoto que sacode nossa consciência. Por alguns instantes nos sentimos com os olhos bem abertos. Lembramos da tal solidariedade, compaixão, respeito, amor... ah! o amor...”quando é demais ao findar leva a paz...”

Dói saber que o tempo vai passar e o esquecimento vai encobrir como as areias do deserto, as pegadas do sofrimento resistente. E tudo voltará à superfície dos fatos. Até que um novo abalo dê uma sacudida forte nas estruturas da prepotência humana que reluta em perceber a falha que existe no profundo de sua alma.

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Um tempinho especial...


Quando começamos nossos dias, apenas escutamos o despertador tocar e lá estamos à milhão...



Colocamos os pés para fora da cama e pronto!


Sem nem ao menos nos espreguiçar, começamos a emendar uma tarefa na outra.


Parece que temos um botãozinho que nos LIGA pela manhã e só DESLIGA à noite, quando vamos dormir... às vezes, de tão cansados, nem isso conseguimos fazer direito!


Quando vemos, estamos fazendo tudo como autômatos, sem nem mais pensar!


Isso é muito ruim e precisamos dar um jeitinho de mudar.


Quando entramos numa roda viva onde cada vez mais assumimos tarefas e parece que não temos tempo pra nada,essa é a hora de dar uma reviravolta e rever os nossos conceitos.


O que estamos fazendo conosco?


O que estamos priorizando como tarefas tão "importantes"?


Será que realmente o são?Assim, criar um tempinho para que posssamos ficar tranquilos, é fundamental.


Sabem aqueles dias nos quais podemos dizer:


- Que bom, hoje não tenho nada para fazer! Hoje não preciso sair de casa, não preciso andar nesse trânsito louco!É o máximo!E isso é possível.


Basta mexer um pouquinho no nosso dia-a-dia...


Então arrume uma horinha na agenda para cuidar de si mesma e se tratar bem. Ler, "navegar", estudar, caminhar, qualquer coisa, mas que seja para nó. Só para nós!


Isso certamente, trará tantos bons resultados, que será sentido.Nossa energia ficará mais legal, mais leve!


As pessoas vão perceber que algo estamos diferente! E uma mudança para melhor... Merecemos!(Chica)

domingo, 10 de janeiro de 2010

Esquecimento global

Em um período onde se fala muito nas condições climáticas que apresentam manifestações consideradas “fora do padrão” que afetam todo o meio ambiente e também o ambiente por inteiro, algo passa despercebido aos mutuários da consciência lúcida. O noticiário diário vende notícias, não informação. E quando “informa” na realidade assegura que a “seiva” da desorientação, mantenha o fluxo do coma perceptivo e não da consciência “desperta”. Somos instados a esquecer e não a perceber. Onde se pode encontrar a verdade? Certamente não é em meio à mídia mas diante dela. E o que está diante? Nós. E todos nós precisamos desatá-los.

A temperatura da desinformação aumenta a cada dia que vai passar. E cada dia que passou é um dia a menos e não “mais um dia na vida”. A menos, que você passe a perceber o que vai por dentro do que está diante da mídia. Eu sei, não é fácil. Mas também não é difícil. Isso porque o simples não tem o “glamour” da sofisticação intelectulóide. Gostamos de intelectualizar, sentimos prazer nisso. Faz-nos “esquecer” de nossa base animal. Não percebemos o aspecto mais cruel e contundente de uma revelação maior do que o “terceiro segredo de Fátima”; maior do que as descobertas de Nag Hammadi; maior do que um contato imediato do terceiro grau; maior do que saber de onde viemos, o que somos e para onde iremos... Essa revelação — que na verdade o vocábulo adequado seria desvelação — mostraria a verdade insuspeita há eões de tempo: somos seres que sofremos a pior doença que uma alma pode ter: ESQUECIMENTO.

Esquecemos quem somos. Por isso não sabemos de onde viemos e muito menos para onde iremos. Somos como náufragos que ao chegar à ilha salvadora, imediatamente lutamos por nossa sobrevivência em uma natureza que se apresenta inóspita. Lutamos por comida; depois vamos atrás de um abrigo, novas vestimentas e ansiosamente fazemos sinalizações diárias para que o nosso S.O.S. salve nossas almas carentes e sem rumo, seja captado pela nau da providência. E o tempo vai passando ( o tempo não tem outra coisa a fazer do que passar) e enquanto a salvação não chega, de náufragos passamos a exploradores da ilha; de exploradores a “proprietários”. Por nos sentirmos esquecidos, novas gerações aumentam a habitação do espaço dominado. Surge a cultura da sobrevivência; surgem civilizações... Esquecemos que somos náufragos que perderam o rumo de casa. Acasalamos e criamos nossos filhos que acasalam e criam seus filhos que acasalam e criam seus filhos que...

E o tempo passa. Viu como passou? E continua. Até quando? Até quando nossa amnésia perdurará?

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Inauguralmente

Tenho agora a grata satisfação de fazer a postagem inaugural do ano aqui neste Quiosque mágico, onde entre tantos amigos virtuais, tenho uma sala.
Vim visitar o Quiosque sem fome nem gula, nem reparei se havia sobrado algum daqueles irresistíveis pasteizinhos que atendem a todos os gostos e exigências dietéticas, só com uma saudade daquelas, logo hoje, dia de fazer mais coisas do que dá pra fazer num dia fora da blogosfera, com a inexorável correria de uso e costume inclusive nesse pra mim felizmente promissor início de 2010.
Uma pausa de pit stop já é o quanto basta para marcar presença, rever cada uma das dependências do Quiosque e suas características personalíssimas (que a Lu descreve tão bem).
A última postagem fora ainda do ano velho, bem no limite.
Os colegas quiosqueiros logo estarão tornando a trazer suas contribuições textuais, imagéticas e sonoras, após o recesso normal dessa altura do ano, que ninguém é de ferro, também, né?
Mas eu disse que era uma paradinha rápida. Nem dá pra não ser. Como visita de médico em exercício.
Todas as felicidades pra todos.