No Balcão do Quiosque

terça-feira, 25 de março de 2014

O sol da praça vazia

Conto nº 3
by Joice K. Worm
  
Com um skate na mão chegou à praça. Havia ali mais alguns conhecidos dele. A cada um que cumprimentava, batia com o punho fechado duas vezes, com as costas da palma da mão mais duas vezes e por fim uma cruzada de dedo mindinho. Era o cumprimento do grupo. Todos deveriam saber a senha para que fossem reconhecidos como um grupo.
Naquela tarde a ida à Praça tinha um propósito. Gostaria de impressionar alguém com a sua arte. Aprendera uns truques e já tinha tido quedas suficientes. Suas cicatrizes não o deixavam mentir. Incluindo aquela que tinha na testa que de qualquer forma lhe dava um certo charme. Para ele, as cicatrizes eram marcas de bravura. Gostava de exibi-las aos colegas de jogo. Quanto mais profundas eram as marcas, mais coragem e resistência comunicavam.
Zim, zim, zim… Assim fazia o som do seu skate enquanto levava um pé em cima e o outro a dar impulso e velocidade. Entrou na pista. Rodopiou e parou no meio da curva de pé. Olhou para seu público à procura de quem iria impressionar desta vez. Aquele velho, talvez. Hum… não me parece interessado. Não por ser velho, mas assim que o viu virou a cara. Ou por desprezo ou por inveja. Não parou para analisar. Limitou-se a isolá-lo dos seus supostos admiradores. Talvez aquele menino que estava a sorver um gelado com o olhar fixo no seu skate. Mas assim que deu a primeira passada, a mãe do menino o chamou e ele obedeceu deixando para trás o espectáculo sem sofrimento. Mais uma parada e mais uma lançada de olhar. Hoje a Praça estava quase vazia. Talvez fosse melhor assim. Ao menos ainda poderia perder algum tempo na sua ‘performance’ e quem sabe tornar-se um profissional e entrar em torneios. Não era propriamente o seu sonho, mas tudo é possível quando se é jovem.
Enquanto pensava em situações de futuro, uma menina da sua idade o olhava com interesse. Por incrível que pareça, não olhava para seu skate, nem nas luvas sem dedos, nem para o seu ténis de marca novo. Olhava para seus olhos. Profundamente. Que desconcertante - Pensou ele.
Não poderia falhar, estava a ponto de dar a partida para uma investida por cima dos degraus que circundava a estátua. Havia lá uma rampa improvisada, mas preferia ir pelo caminho mais difícil. E se falhasse? Não isso não poderia acontecer. A menina era bonita e parecia interessada nele. Será que ela já o tinha visto ali? Ele nunca a tinha visto. Ficou ainda mais interessado em fazer uma boa figura. Olhou seu skate-amigo durante um tempo com as duas mãos descontraídas sobre a cintura e fez uma espécie de reza. Falou com o companheiro de madeira que aquela seria a oportunidade deles para conquistar alguém duplamente. Neste caso, pela capacidade de ambos.
Zim, zim, zim… deu o embalo. Uma ida e vinda de aquecimento, outro rodopio. Uma mirada ao objectivo e um canto de olho para ter certeza que a sua admiradora o estava a olhar. Estava. Perfeito. A sorte será lançada. Àquela distância nada poderia dar errado. Estava tudo rematado. Não havia muitos concorrentes para partilhar aquela que lhe parecia a menina mais bonita do mundo. O sol estava a aquecer suavemente a pele de ambos como se fosse cúmplice daquele segredo. Ele prosseguiu. Ainda com as duas mãos na cintura, deslizou suavemente dando três passos largos de embalo. Zim, zim, zimmmmmm… Agora! Zás!! Um salto de perito!!
Olhou para trás rapidamente para ter certeza que ela viu e constatou satisfeito que não só viu como estava com a mão sobre o coração como se não pudesse aguentar tamanha e perigosa façanha. Isso lhe deixou desconcertado mas ela lhe retribuiu com um sorriso e um gesto simulado de palmas sem som. Foi tudo à distância: O olhar, o sentimento recíproco, o espectáculo, o susto, o agradecimento, o adeus e o até outro dia.
Nada como uma tarde de sol numa praça quase vazia e duas pessoas que se admiram para tornar o dia ainda mais sublime.


Fim.