Tarde chuvosa de domingo e Ninguém nasceu. Era um desses domingo-feriados que por obra e graça do calendário, anulou o que poderia ter sido um fim de semana prolongado. Mas, as atenções da família estavam todas voltadas para Ninguém — se é que se pode chamar de família, uma mãe “tropeira”, uma avó de 87 anos cega e esclerosada e um cão vira-lata de três patas; de uma família assim, o difícil é que possa advir algum fenômeno chamado atenção. O pai, nunca tomou conhecimento de Ninguém. E Ninguém jamais o teria tão perto como um filho ao alcance das mãos.
Ninguém era silencioso; quase não se escutava seu choro. Se alimentava mais por distração da mãe do que por um ato de amor materno. Isso Ninguém desde cedo saberia seu significado.
Segunda-feira a mãe teve alta. Foi para casa sozinha levando — meio que por obrigação — Ninguém a tira-colo. Pegou um ônibus depois de esperar uns 25 minutos mais ou menos debaixo de forte calor. Ninguém, mesmo diante dessa situação, não deixou de mergulhar em profundo sono.
Diante da calamitosa situação familiar, Ninguém nunca se deixou abater e cheio do destemor e um forte sonho de ser alguém, traçava planos, para atingir seu objetivo.
Ninguém chegou à adolescência com a sorte dos renitentes. O imponderável do destino afeiçoando-se por Ninguém, o conduziu às portas de uma nova família que mediante pura empatia, o adotou garantindo a Ninguém tudo aquilo que a decência possa garantir. A mãe, sentindo um alívio, desfez-se daquele “incômodo” que havia invadido sua tão vazia existência (só ela não sabia disso)
O tempo passou e Ninguém tornou-se o que esperava de si próprio: realizado e feliz.Tudo o que Ninguém mais queria era constituir uma família. E Ninguém conseguiu.Teve um, dois, três filhos; dois meninos e uma menina. Ninguém procurou ser para a família o que a família não havia sido para Ninguém.
Então sobreveio o golpe que ninguém esperava. Ao chegar em casa após um estressante dia de trabalho, Ninguém encontra sua tão amada esposa sendo amada por um ninguém qualquer. Chocado, atônito, Ninguém ficou parado sem saber o que fazer. Numa explosão sanguínea, berrou para os dois saírem de sua casa que havia construído com muito sacrifício.
Desse dia em diante, Ninguém nunca mais quis saber de alguém. Dedicou-se de corpo e alma aos filhos.Os filhos cresceram, tornaram-se adultos, casaram e foram ter suas vidas. Ninguém ficou só, consigo mesmo.
Na velhice, Ninguém acreditou que fez o melhor que pode. A noite, em sua varanda, olhando as estrelas, Ninguém pensou em Deus.E esse pensar fez Ninguém acreditar que a vida que o trouxera, agora vinha lhe buscar.
O fim que Ninguém esperava chegou sem se atrasar. Não houve dor, não houve agonia; o que ficou para sempre foi a passagem de Ninguém, que o tempo esqueceu sem regatear.
Se você gosta de bom humor inteligente, nossa equipe de cronistas oferece diferentes abordagens sobre qualquer tema. Nosso objetivo é a interação. BOA LEITURA!
No Balcão do Quiosque
terça-feira, 30 de junho de 2009
sexta-feira, 26 de junho de 2009
Homo Mercadológicus
Todos nós conhecemos a máxima: na vida, tudo tem um preço.
Tem mesmo? Quanto vale viver?
Vamos adentrar na realidade desse imenso mercado de ações e reações que é a vida. Esse campo de intrincados valores relativos que teimam em serem absolutos.
Pois bem. Você nasce e de imediato tem um valor avaliado. Se você nasceu como mercadoria de varejo, tal como é o caso da grande maioria dos “produtos” expostos nas prateleiras da vida, terá pela frente toda ampla oportunidade de liquidação. Ou quem sabe uma promoção! Com sorte, pode até ser remarcado. Mas, sem chances de re-mercado. Já, se você nasceu, como produto à vista, com desconto negociado, dá pra ter em você, uma perspectiva de vida mais valorizada.
Agora temos os nascimentos privilegiados, conhecidos também por “berço de ouro”. São aqueles produtos de valor muuuuito acima da média de mercado. Já nascem vitalícios, por assim dizer. São de difícil acesso. E são tão poucos... Porém os privilégios são tão muitos. A maioria apenas os admiram.
Tem também — que eu já ia esquecendo de mencionar — os produtos descartáveis e sem valor. Um mercado paralelo, informal; que não entra na contabilidade da ordem natural estabelecida.
E quem dá as cartas na grande lei de mercado? Se existe um produto com o seu valor exposto, alguém administra suas ações, concorda? E quem cria a lei de mercado, não está sujeito a ela. Meu caro, não é um barato isso? É... e muitos já na infância, brincam de ciranda financeira, e só mais tarde irão perceber que o negócio não é brincadeira não.
E assim vamos passando por esse mercado, sendo consumidos pela deterioração natural do produto...ora usando da assistência técnica, ora sendo trocados por outros ou se vendendo por menor valor.
Uma outra questão: pode um produto que nasceu varejo, se tornar um produto de primeira, “privilegiado” ? É difícil. Teria que, “aplicar” pra se dar bem. Juro que é isso.
Esse rápido balanço visionário de uma realidade “mercadológica”, nos mantém fixos como um pregão na luta por um valor mais alto. Aquele que é “esperto”, sabe, que quem não administra bem a si como produto, com o tempo se desvaloriza perante o mercado. Não há desconto para uma ação dessas.
No fim o produto tem seu tempo de validade vencido. A única parte aproveitável pode ser a sua embalagem. Quem sabe não servirá para guardar antigas fotos de um valor que não existe mais.
Tem mesmo? Quanto vale viver?
Vamos adentrar na realidade desse imenso mercado de ações e reações que é a vida. Esse campo de intrincados valores relativos que teimam em serem absolutos.
Pois bem. Você nasce e de imediato tem um valor avaliado. Se você nasceu como mercadoria de varejo, tal como é o caso da grande maioria dos “produtos” expostos nas prateleiras da vida, terá pela frente toda ampla oportunidade de liquidação. Ou quem sabe uma promoção! Com sorte, pode até ser remarcado. Mas, sem chances de re-mercado. Já, se você nasceu, como produto à vista, com desconto negociado, dá pra ter em você, uma perspectiva de vida mais valorizada.
Agora temos os nascimentos privilegiados, conhecidos também por “berço de ouro”. São aqueles produtos de valor muuuuito acima da média de mercado. Já nascem vitalícios, por assim dizer. São de difícil acesso. E são tão poucos... Porém os privilégios são tão muitos. A maioria apenas os admiram.
Tem também — que eu já ia esquecendo de mencionar — os produtos descartáveis e sem valor. Um mercado paralelo, informal; que não entra na contabilidade da ordem natural estabelecida.
E quem dá as cartas na grande lei de mercado? Se existe um produto com o seu valor exposto, alguém administra suas ações, concorda? E quem cria a lei de mercado, não está sujeito a ela. Meu caro, não é um barato isso? É... e muitos já na infância, brincam de ciranda financeira, e só mais tarde irão perceber que o negócio não é brincadeira não.
E assim vamos passando por esse mercado, sendo consumidos pela deterioração natural do produto...ora usando da assistência técnica, ora sendo trocados por outros ou se vendendo por menor valor.
Uma outra questão: pode um produto que nasceu varejo, se tornar um produto de primeira, “privilegiado” ? É difícil. Teria que, “aplicar” pra se dar bem. Juro que é isso.
Esse rápido balanço visionário de uma realidade “mercadológica”, nos mantém fixos como um pregão na luta por um valor mais alto. Aquele que é “esperto”, sabe, que quem não administra bem a si como produto, com o tempo se desvaloriza perante o mercado. Não há desconto para uma ação dessas.
No fim o produto tem seu tempo de validade vencido. A única parte aproveitável pode ser a sua embalagem. Quem sabe não servirá para guardar antigas fotos de um valor que não existe mais.
Capitão Marvel e o espaço-tempo
Capitão Marvel e o espaço-tempo
Luiz Ramos da Silva Filho
"O Tempo e o Espaço têm sido estudados por pensadores como Galileu e Newton, além de Kant e Minkovski. Teorias diversas, sob variados pontos de vista, tentam explicar as relações entre espaço e tempo ou a sua independência. Em seu aspecto físico, Einstein nos apresenta a teoria da relatividade e a expressão espaço-tempo se consolida.
Para leigos, toda essa explicação parece distante ..."
Acompanhem o desfecho da história do Herói e Napoleão, no blog Fruição e Escritas
Luiz Ramos
Foto:ramosforest(c)
quinta-feira, 25 de junho de 2009
Do Sublime ao Grotesco em Tetrâmetros e Pentâmetros Anapésticos por Mim Lidos e... Ouvidos
Anapestos nos versos que faço então vou
colocando a meu modo e pra todos os fins
lembro aqueles tão lindos, perfeitos, de Poe:
“For the moon never beams without bringing me dreams” (1)
Num francês bem do tempo de meu trisavô
que aprendi, apesar de não ter quem me ensine
lembro aqueles que li no “Dormeur” de Rimbeaud:
“Les parfums ne font pas frissoner sa narine” (2)
Um pentâmetro então, cujo efeito é bastante bonito
soa bem como vem, com ou sem caimento de luva
é aquele que fez, num momento feliz, Raulzito:
“Eu perdi o meu medo, o meu medo, o meu medo da chuva”
Ó, leitor que brindei com Rimbeau, Allan Poe
e um maluco beleza inspirado que só
saideira geral, tô vazando, falou?
“Pocotó, pocotó, pocotó, pocotó.”
(1) "Pois a lua não brilha sem sonhos trazer-me " (Annabel Lee, de E. Alan Poe)
(2) "Os perfumes não fazem fremir sua narina", (Le dormeur du val, de A. Rimbaud
colocando a meu modo e pra todos os fins
lembro aqueles tão lindos, perfeitos, de Poe:
“For the moon never beams without bringing me dreams” (1)
Num francês bem do tempo de meu trisavô
que aprendi, apesar de não ter quem me ensine
lembro aqueles que li no “Dormeur” de Rimbeaud:
“Les parfums ne font pas frissoner sa narine” (2)
Um pentâmetro então, cujo efeito é bastante bonito
soa bem como vem, com ou sem caimento de luva
é aquele que fez, num momento feliz, Raulzito:
“Eu perdi o meu medo, o meu medo, o meu medo da chuva”
Ó, leitor que brindei com Rimbeau, Allan Poe
e um maluco beleza inspirado que só
saideira geral, tô vazando, falou?
“Pocotó, pocotó, pocotó, pocotó.”
(1) "Pois a lua não brilha sem sonhos trazer-me " (Annabel Lee, de E. Alan Poe)
(2) "Os perfumes não fazem fremir sua narina", (Le dormeur du val, de A. Rimbaud
Sorvete Colorê

Amanheci sonhando com BUARQUE na desordem do armário embutido, atrasada para a exposição das MULHERES DE ATENAS.
PIVETES gritavam nas avenidas e a CONSTRUÇÃO andava de bar em bar.
MEU CARO AMIGO ... me disseram mais tarde numa rua banhada de sol... quer dividir um CÁLICE comigo? Não, obrigado, porque
todo dia ela faz tudo sempre igual mesmo,então por isso atrapalhei o trânsito
e encontrei Caetano na Avenida São João.
Eu já estava PRA LÁ DE MARRAQUEXE quando os novos baianos combinaram de dormir sob a garoa.
Olhei nos bolsos e vi que tinha perdido o SAMBA DO AVIÃO e as partituras de uma nota só. Corri e vi meu paletó enlaçando seu vestido... ai ai ai... chorei mentiras e percebi que o verme passeia na lua cheia.
No dia seguinte conheci A MENINA DO ANEL que passeava com a lua e a estrela, e lembrei que meu namorado é rei
nas lendas do caminho por onde andei.
Da próxima vez eu me mando. Que se dane meu jeito inseguro, porque no corcovado quem abre os braços sou eu.
E depois de tanto pensar decidi que era melhor sentar no banco da PRAÇA e ver a BANDA PASSAR, olhando
CAROLINA que não sai mais da janela e seus olhos tristes guardam (ainda) tanta dor.
Por Lu Cavichioli
terça-feira, 23 de junho de 2009
O Herói e Napoleão em Histórias Possíveis
O Herói e Napoleão
Luiz Ramos da Silva Filho
"Ele passou a vida inteira vinculado a uma pessoa ou a uma obrigação real ou imaginária. Desde muito pequeno, acostumou a se colocar como personagem dos conselhos do pároco, da avó, da mãe, do padrinho de batismo. Ou até mesmo a ocupar o lugar daquele personagem das novelas de aventuras do rádio ou das revistas em quadrinhos da época, os seus tão queridos gibis do Hopalong Cassidy..."
Vejam esse meu texto publicado em Histórias Possiveis.
Luiz Ramos
Photo:ramosforest(c)
correção: vizinho, correligionários
segunda-feira, 22 de junho de 2009
A revolução das letras
A vida transcorria como de costume em Alphabeto. A rotina das letras se mantinha inalterada. O sistema alphabético vigente, moldou uma sociedade dividida entre os MAIÚSCULOS e os minúsculos. A maior parte da população era constituída pelos minúsculos. Letras que formavam o suporte de todos os segmentos da sociedade alphabética. Desde mão-de-obra especializada em construção de palavras, frases, textos; até edificação de um livro inteiro.
Os MAIÚSCULOS, constituíam o que se conhecia por... Os Iniciais. Nada, nenhum capítulo, sentença, fraseologias, textualizações, etc., tinha início sem a presença determinante de um Inicial — essa fina casta, elevada, iniciada, antes de qualquer suspeita_ para conduzir uma sentença até o seu termo. Essa sociedade era regida por uma lei arcaica conhecida por Lato Sensus Significativus. Se um trabalho não tivesse na sua estrutura “o significado” determinado pelo Sensus, era imediatamente retirado do contexto, sendo que todas as letras seriam desagrupadas retornando à condição de “disponíveis para reconstrução”. Nos casos radicais, poderiam até serem apagadas, destituídas de suas funções significativas.
Porém, resignadas na sua condição minúscula, prosseguiam a cada parágrafo de suas vidas, entre ponto e vírgulas até chegarem ao destino de todas elas: o ponto final.
Um rígido sistema condicional cerceava ipsi literis, o futuro do vocabulário alphabético sem deixar escapar uma vírgula sequer. Tentar libertar-se dessa trama muito bem enredada, era um exercício que poucos, muito poucos, conjugariam esforços para atingi-lo.
Mas, iniciava-se em meio às letras insatisfeitas com a inflexibilidade das regras impostas por um sistema pouco afeito a liberdade de expressão, um movimento clandestino que visava resgatar o poder da palavra. Para isso todas as letras precisariam se unir. Trabalhando através de sinais previamente codificados, nem um til era desperdiçado. Obviamente o líder era um sujeito oculto.
Vigorava uma estrita lei do silêncio. Após o trabalho, as letras deveriam evitar todo e qualquer agrupamento que constituísse um “significado” fora do estabelecido. Seguiam ordenadamente para o lugar que cada letra ocupava na ordem alphabetica. Um “a” minúsculo vagando sozinho em uma linha era tido como algo sem sentido e inofensivo. Porém, duas letras juntas, levantavam suspeitas fortíssimas o bastante para serem eliminadas pela borracha; instrumento que na mão dos poderosos era — na sua iletrada atitude — utilizado para interromper um processo criativo e não como solução para reescrever a história.
Em meio a todo esse controle da linha de ação das letras, inicia-se um movimento contrário, partindo de um trabalho de conscientização da força de expressão que as letras unidas possuem: descobre-se o poder da ordem e pontuação. Após vários encontros secretos realizados entre letras e pontuações, o artigo é definido:
— Vamos mudar o contexto!
Para não chamar atenção, todas as letras farão seu trabalho normalmente. Porém alterando a pontuação e ordem das palavras, alteraremos todo o sistema significativo transmutando seu sentido. O objetivo a que nos propomos, será alcançado com a aplicação dessa estratégia em um texto de conhecimento e impacto geral para se ter o efeito desejado.
Após colocados os pingos nos “is”, chegaram a um termo comum: o texto escolhido foi os direitos humanos no seu primeiro artigo, que assim ficou: Artigo I
Todos os homens nascem(?). São livres e iguais em dignidade e direitos? Dotados são de espírito? E devem: agir uns para com os outros com consciência e fraternidade.
Ao tomar conhecimento das sutis mas significativas alterações no texto Universal, a cúpula do Sensus resolveu colocar um ponto final em toda essa história. Para isso estabeleceu artigos indefinidos; desmantelou e suspendeu toda e qualquer significação entre parênteses; abortou o léxico expansivo; segregou o espírito; manteve a letra morta.
E tudo voltou à terminologia corrente. Os significados sem poderem ter liberdade de expressão se ocultaram nas entrelinhas. Vez ou outra algum signo arriscava-se apelar, em vão, ao poder da compreenção passando clandestinamente pelo Sensus Quo.
Definitivo ficou apenas o poder de interpretação de cada um. E com ele escreve-se a história ( aquela que a muitos não é conhecida ).
Os MAIÚSCULOS, constituíam o que se conhecia por... Os Iniciais. Nada, nenhum capítulo, sentença, fraseologias, textualizações, etc., tinha início sem a presença determinante de um Inicial — essa fina casta, elevada, iniciada, antes de qualquer suspeita_ para conduzir uma sentença até o seu termo. Essa sociedade era regida por uma lei arcaica conhecida por Lato Sensus Significativus. Se um trabalho não tivesse na sua estrutura “o significado” determinado pelo Sensus, era imediatamente retirado do contexto, sendo que todas as letras seriam desagrupadas retornando à condição de “disponíveis para reconstrução”. Nos casos radicais, poderiam até serem apagadas, destituídas de suas funções significativas.
Porém, resignadas na sua condição minúscula, prosseguiam a cada parágrafo de suas vidas, entre ponto e vírgulas até chegarem ao destino de todas elas: o ponto final.
Um rígido sistema condicional cerceava ipsi literis, o futuro do vocabulário alphabético sem deixar escapar uma vírgula sequer. Tentar libertar-se dessa trama muito bem enredada, era um exercício que poucos, muito poucos, conjugariam esforços para atingi-lo.
Mas, iniciava-se em meio às letras insatisfeitas com a inflexibilidade das regras impostas por um sistema pouco afeito a liberdade de expressão, um movimento clandestino que visava resgatar o poder da palavra. Para isso todas as letras precisariam se unir. Trabalhando através de sinais previamente codificados, nem um til era desperdiçado. Obviamente o líder era um sujeito oculto.
Vigorava uma estrita lei do silêncio. Após o trabalho, as letras deveriam evitar todo e qualquer agrupamento que constituísse um “significado” fora do estabelecido. Seguiam ordenadamente para o lugar que cada letra ocupava na ordem alphabetica. Um “a” minúsculo vagando sozinho em uma linha era tido como algo sem sentido e inofensivo. Porém, duas letras juntas, levantavam suspeitas fortíssimas o bastante para serem eliminadas pela borracha; instrumento que na mão dos poderosos era — na sua iletrada atitude — utilizado para interromper um processo criativo e não como solução para reescrever a história.
Em meio a todo esse controle da linha de ação das letras, inicia-se um movimento contrário, partindo de um trabalho de conscientização da força de expressão que as letras unidas possuem: descobre-se o poder da ordem e pontuação. Após vários encontros secretos realizados entre letras e pontuações, o artigo é definido:
— Vamos mudar o contexto!
Para não chamar atenção, todas as letras farão seu trabalho normalmente. Porém alterando a pontuação e ordem das palavras, alteraremos todo o sistema significativo transmutando seu sentido. O objetivo a que nos propomos, será alcançado com a aplicação dessa estratégia em um texto de conhecimento e impacto geral para se ter o efeito desejado.
Após colocados os pingos nos “is”, chegaram a um termo comum: o texto escolhido foi os direitos humanos no seu primeiro artigo, que assim ficou: Artigo I
Todos os homens nascem(?). São livres e iguais em dignidade e direitos? Dotados são de espírito? E devem: agir uns para com os outros com consciência e fraternidade.
Ao tomar conhecimento das sutis mas significativas alterações no texto Universal, a cúpula do Sensus resolveu colocar um ponto final em toda essa história. Para isso estabeleceu artigos indefinidos; desmantelou e suspendeu toda e qualquer significação entre parênteses; abortou o léxico expansivo; segregou o espírito; manteve a letra morta.
E tudo voltou à terminologia corrente. Os significados sem poderem ter liberdade de expressão se ocultaram nas entrelinhas. Vez ou outra algum signo arriscava-se apelar, em vão, ao poder da compreenção passando clandestinamente pelo Sensus Quo.
Definitivo ficou apenas o poder de interpretação de cada um. E com ele escreve-se a história ( aquela que a muitos não é conhecida ).
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