No Balcão do Quiosque

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Do outro lado da ponte


foto/imageshack

Mestre Noé vivia me convidando pra conhecer o mangue. Eu era moleque travesso, cabeça cheia de fantasia, mas as panela lá de casa andava vazia. Minha mãe, coitada, sofria de dor nas junta como ela mesma dizia praquela vizinhança. Sorte que Dª Ricardina dava uma mãozinha pra nóis. De vez em quando levava um pouco de feijão e farinha, uma garrafa de leite e alguns pedaço de pão amanhecido.

A mãe fazia uns trabaio de bordadeira e de vez em quando, as madame rica pedia pra ela fazer bolo de festa mais docinho. Mas demorava tanto pra pedir que a comida acabava e o dinheiro tumbem.

Meu pai, homem forte, trabalhador, tinhoso como o quê, andava viajando pras banda do Seringal. Era caixero viajante, e disse pra minha mãe que ia vortá com a mala cheia de dinheiro e ia tirar nóis tudo da miséria. Isso já tinha mais ou menos 4 anos.

Coitada da véia, ficou a olhá pro horizonte, vê se ainda conseguia enxergá, na miragem do sol, o chapéu do meu pai. Aquele maldito desgraçado! Deve de tê arrumado outra famía e esquecido de nóis.

Ficamos eu mais minha mãe e minha irmã, a Luizinha. Moça esbelta , morena da roça, perna roliça e seio farto. Em todos seus 20 anos, Luizinha nunca tinha namorado. Mas a bicha tava de zóio cumprido num peão que fazia uns servicinho pra Dª Ricardina. Mas a bem da verdade ele espichava o zóio pra ela tumbem. ARA! Nem vem, ninguém bota a mão na mana.

Um belo dia, desses de sol varando a cachola da gente, veio mestre Noé e disse pra minha mãe que tinha me arranjado trabaio, e dos bom.
- Se achegue home - disse a mãe.

Dia dona Nice!
Dia ... O traste do moleque tá se escondendo. Vem cá seu peste.

Corri e me joguei debaixo da cama. Minha mãe que já conhecia minhas fuzarca logo me puxou pelo pé dizendo:
- sai seu muleque duma figa. Mestre Nóe tá lá fora. Vai te levá pro trabaio.
_Que trabaio mãe? Eu quero ajudá a senhora na roça mais a Luizinha.
Que nada, seu tre lê lê.

Nisso eu olhei pras berada da porta e vi as bota suja de lama do mestre. Me arrepiei até a carapinha. Jesus toma conta eu disse assim, por dentro de mim.

Dia seu muleque! Fica em pé logo que tu já tem tamanho de home e braço de estivadô e mão de escavadô. Teu lombo é surrado e é hoje que tu vai comigo pro mangue.

Diacho de mangue nada Mestre. As muié dessa casa necessita de mim. Sou o único home que elas tem.

Por isso mesmo Antoninho. De hoje em diante tu vai ganhar o sustento e ajudá nas despesa da casa. Onde já se viu um home desse tamanho, fica debaixo da cama com medo do batente. ARA SÔ!

E assim, o dia, e a semana (talvez a vida) teria seu recomeço pro Antoninho, menino de seus 15 anos, 1.80 de altura , cara de bonachão e corpo de homenzarrão.

Por Lu Cavichioli

2 comentários:

chica disse...

Lindo,Lu...E como tem dessas histórias por aí afora,não? A tua, linda!beijos,lindo fim de semana,chica

☆Lu Cavichioli disse...

Oi Chica, essa história é fragmento de uma série que comecei a escrever recentemente. A saga de Antoninho pode continuar daí ou quem sabe depois que ele foi pro outro lado da ponte. Vamos ver... rsrs

obrigada pela leiura.
super beijo da Lu