No Balcão do Quiosque

sexta-feira, 25 de março de 2011

A Dengue e o Jaleco


Em meio a uma quantidade enorme de mortes por dengue, um número assusta:  O da dengue não diagnosticada. Todos os dias vemos relatos de pessoas queixando-se de diagnóstico errado. Um doente com dengue está sempre correndo o risco de ter sua doença diagnosticada como virose, garganta inflamada, gripe...enfim. Mas nossos valorosos médicos tem algo mais importante com o que se preocupar.
Em 120 dias, entra em vigor na cidade de Belo Horizonte, a lei que proíbe o uso indiscriminado de jalecos fora do ambiente de trabalho. Os médicos estão pulando e contestando contra essa "polêmica" lei. Coloquei o "polêmica" entre aspas por entender, tanto quanto os médicos, tratar-se de uma lei desnecessária. Embora não seja pelo mesmo motivo dos "doutos".

Tenho um filho que passou boa parte de seu primeiro ano de vida dentro de uma UTI. Nesse período observei alguns dados interessantes a respeito do comportamento dos médicos (lamento amigos, se estou generalizando, pois minha experiência foi obtida através de amostragem in-loco). Deixem-me começar:

O estudante de medicina normalmente entra nessa carreira para seguir os passos do pai, ou da mãe, médicos realizados (com poucas exceções). Assim tem ocorrido ao longo do último século e entrando no século atual. Nesse período, uma parte fundamental do trabalho médico foi ficando para segundo plano. O ser humano.
De um modo geral, médicos não gostam de lidar com gente. Eles não tem paciência com os simples mortais. Essa impaciência pode ser facilmente relatada por tantas pessoas quantas forem pesquisadas. Todas, mas todas as pessoas que conheço tem alguma reclamação quanto ao descaso recebido de algum doutor.

Geralmente os jovens estudantes de medicina levam em consideração o status social que a carreira oferece.
Um dos maiores símbolos desse status, quase como um outdoor piscante, é o jaleco. Médicos adoram desfilar com suas camisolinhas bem branquinhas. 
Na hora do almoço gostam de andar em bandos, como pombos. Eu costumo dizer que pombos são ratos com asas, tamanha é a quantidade de doenças que transmitem. Esses jalecos, embora representem a nobreza empafiosa da profissão, carregam consigo toda a "acepcia" do asfalto e dos ralos, todo o pó que cai dos bandos voadores, diurnos como os pardais ou noturnos como os morcegos.
Mas convenhamos, quem está atrás de status social  nunca estará interessado na pereba do João Ninguém da Esquina. 
Imagine aquele estudante orgulhoso de suas relações sociais, tratando do bicho-de-pé infeccionado de um pobre coitado. Consegue imaginar? Nem eu. Se o fizerem tenham certeza que o fazem com nojo.
De repente se vier uma gatinha com o tornozelo torcido eles até se animem, desde que não complique demais.

Mas o importante na profissão de médico é ser chamado de doutor. Alguns até investem na profissão. Tornam-se mestres, doutores de mestres, PHD's... Mas normalmente esses cursos e especializações fazem parte de um pré-requisito para uma promoção na carreira, culminando com uma melhor aposentadoria, principalmente se for no setor público. Eu não vejo nada demais em querer melhorar de vida, mas o problema é que nesses casos, normalmente quem está do outro lado dessa linha, nas filas dos hospitais e postos de saúde, não entra nessa conta de chegada. Essas pessoas são a parte ruim da história. A parte azeda do bolo. Aquele cravo chato que habita sob a sola de nossos pés.

Pois é...e a dengue está matando por falta de paciência em prevenir o diagnóstico. Afinal, como já diz o nome, dengue vem de dengo. O paciente fica dengoso, manhoso. Se os médicos não tem saco para aturar pobre, imagine aturar pobre dengoso.

Mas deixa prá lá. Contanto que a classe médica continue desfilando seus lindos e resplandecentes jalecos por todos os cantos das cidades, a dengue é o que menos importa.

Porque eu considero a lei do jaleco desnecessária? Se eles fossem realmente Médicos, deixariam seus uniformes num lugar adequado e limpo. Uma boa maneira de proteger seus pacientes e a si próprios, independentemente de leis.

Marcos Santos
Rio de Janeiro

segunda-feira, 21 de março de 2011

Domingo Cinzento



Me dói cabeça, ombro joelho e pé, tal qual a música da Xuxa quando cantava só para baixinhos. É assim que acordo após um sábado que nem foi lá o mais belo dos poemas. Se é para ser comparado a algum tipo de texto, esteve bem mais para bula de remédio, carta de cobrança, coisas animadinhas assim.

De cara pouco sorridente, acompanho as notícias do domingo na TV, casal Obama feliz da vida lá na Cidade de Deus. Ainda bem que a comunidade foi pacificada, não ofereceu perigo algum ao Primeiro Homem. Me ocorreu uma ideia um tanto sinistra: não seria bacana a gravação de um episódio da série 24 Horas – do imortal Jack Bauer – numa dessas comunidades, tendo o Obama sequestrado pelos traficantes? E o Jack feito louco tentando descobrir onde o homem estaria malocado. Genial, não é não? O único problema seria a história se tornar real e o Brasil se lascar de vez colocando em perigo a vida do cara que manda prender e manda soltar mundo afora.

A Senhora Obama e as gurias pareciam estar se divertindo por demais também, embora ela tenha se assustado um tanto por não compreender os movimentos da capoeira e supor que o moleque ia se espatifar no chão.

Lembrei de uma matéria que vi ontem, sobre um encontro de Michelle Obama com estudantes num restaurante em Brasília, aonde a mesma foi ovacionada porque proferiu “bom dia”. As pessoinhas enlouqueceram com um simples gesto de educação. Cá com meus botões impacientes me perguntei se fosse a Dilma, presidente, lá na Casabranca dizendo “good morning, people” se haveria esse alvoroço todo. Mania estranha essa do povo latino em se considerar na obrigação de paparicar, lamber sapato apenas porque acha mais importante que o seu. No meu conceito é o complexo de inferioridade impregnado, impossível de ser exterminado mesmo com todo o sabão em pó existente no mundo.

O fato é que o casal Obama foi realmente simpático e não parecia estar ali de má vontade, como é notório em algumas personalidades quando obrigados a comparecerem a eventos do gênero. É também fato que a simpatia deles em nada refletirá nas pretensões políticas do Brasil no cenário mundial. A Presidente falou toda prosa sobre o desejo de estarmos no Conselho de Segurança da ONU e o Mister Obama sorriu e acenou, num sussurrante "I don't undertand". Será que ele acertou mais alguns contratos acerca da ocupação da Amazônia? Uma pesquisinha ali, uma planta patenteada acolá, e foi-se, o homem leva a floresta inteira a qualquer momento.

Ah, mas porque falei desse assunto, não sei. Nem de política eu gosto, desde que me roubaram a ideologia... O que me interessa a visita desse simpático Primeiro Homem?


Deixei-o discursando e fui ver –  na TV - o jogo do Botafogo, que me envergonhou profundamente. Perdeu de forma pouco honrosa, só pra coroar o meu dia sabor jiló.

Vejo ir embora esse domingo cinzento, castigando o pobre Zeca Baleiro que canta incansável pra mim há horas. Tenho medo dele ir embora e a Xuxa vir me fazer dançar a coreografia do Cabeça, Ombro, Joelho e Pé...

Socorro!


Por Milene Lima



quinta-feira, 10 de março de 2011

Uma pequena história de amor

Rosebel não sabia o que era o amor, apesar de ser o amor. De longe, seu pai a observava e contrito, assuntava:

“Minha bela Rosebel, tens o fulgor dos raios do sol e tua pureza preocupa desde os eternos macrocosmos até os átomos infinitesimais; a fonte por onde a vida jorra acalenta teu desejo que freme por criar mundos que bailem ao teu redor. Aquece tuas mãos suavemente no peito deste que vela por teus passos puros como de uma criança a pular por sobre as estrelas suspensas no vácuo do céu.”

Ao completar o seu primeiro eão, os olhos de Rosebel cintilavam ao divisar os campos além. Um forte anseio tal qual um espasmo cósmico, ondulava em reverberações no profundo do sem limites.

— O que deve haver além desses anéis que tanto apertam meu coração?

Não tão distante dali, a voz sem corpo, soou o cântico das diferenças. E na canção que se formou, um chamado voou como uma pomba alva até os olhos de Rosebel.

Ao sentir a ardência do poder crepitar nas câmaras acesas de seu coração, a jovem alma, pulou nos braços do abismo das formas. A cada etapa de queda livre, o vento da consciência burilava com o cinzel do desejo o desabrochar de insuspeitas realidades.

No canto escuro da sabedoria, espreitava Ideário.
Tão logo se tornou concêntrico os olhos de dentro com os olhos de fora, Rosebel quis o que seu desejo queria: criar. E criou, criou, criou... criou tanto que o mistério das formas cristalizou a emersão do exterior diante de seus olhos. No reflexo desse ato, o amor escondeu-se na aparência. E Rosebel viu que era bom, serviu-se do sabor da gratidão do dever cumprido e deitou-se pela primeira vez na sombra de sua criação.

Assim nasceu o início. E do início o ciúme pelo fim. Pois o fim ama sem complascência o início de cada finito.

domingo, 6 de março de 2011

Nada, é ver.


No centro de Preter, ao grande relógio encimado em um bloco retangular de granito com aproximadamente 30 metros de altura por 15 de base, a multidão prestava a saudação regular. Circulavam ao redor do obelisco em contínuas espirais. De olhos fechados, inspiravam profundamente com o nariz apontado para o céu. Buscavam sentir no mais profundo da alma o odor que o tempo exalava.

Os anciãos místicos diziam que o tempo estava acabando. A única forma de detê-lo era através da inspiração. A cada golfada de ar retida nos pulmões o presente se mantinha ativo. Ao expirá-lo, o passado cobria o céu de cinza cada vez mais escuro.

O sacerdócio em Preter era praticado pelos cientistas ficando com os místicos a tarefa nada agradável de convencer as pessoas de que o tempo não era uma ilusão pois se ele acabasse o nada passaria a vigorar e diante do nada, nada pode ser feito. Nesse compasso, transcorria a vida em Preter. Certo dia um forasteiro sabendo do que se passava nessa cidade, adentrou os seus limites e indo direto ao sumo sacerdote o inquiriu:

— Magnânimo sumo sacerdote, peço-vos conceder-me vossa preciosa atenção para a exposição que farei para salvar esta que é sem dúvida um modelo de avanço civilizatório ao qual...

— Hora, basta! Diga logo o que quer. O tempo é curto — pontuou o intempestivo sacerdote.

— Tenho a solução para manter o controle sobre o tempo!

— Estou ouvindo.

— Criei o relógio sem ponteiros.
Nesse momento o sumo sacerdote enclinou o corpo para frente e arquejando as sobrancelhas, sorriu cinicamente aguardando a explicação.

— Nós vamos ludibriar o tempo. Todos os relógios da cidade não terão mais ponteiros. O relógio passará a ser meramente um círculo vazio. Ao olharmos para ele não saberemos que horas serão. Não haverá mais atrasos; não havendo mais atrasos não haverá mais pressa; não havendo mais pressa sobrará mais tempo; sobrando mais tempo nunca faltará tempo para se fazer alguma coisa.

— E como se organizarão as coisas? Os compromissos? As coisas precisam ter um começo, meio e fim.

— Depois de muito refletir sobre essa questão concluí que é justamente isso que nos impede de evoluir.

— Explique melhor.

— Somos muito organizados. Mas uma organização toda ela dependente do tempo. Por isso qualquer coisa que organizemos não durará para sempre. Um dia ela acaba e tudo precisará ser reorganizado. Chamamos a isso de evolução mas não passa de recolher os cacos e dispô-los em nova configuração.

— Mas isso não significa dar força total para o nada?

— Nada disso. O que acontece é que exatamente o nada contém tudo. O nada não tem nada a perder. Pois a ele nada se atribui.

— Isso está me parecendo uma filosofia zen.

— Se fosse, estaríamos na mesma. E isso de nada adianta. Zen ou qualquer outra coisa só acrescenta e a cada coisa acrescentada ao nada, o nada deixa de existir passando a ser algo. E isso é algo de que não se precisa. Algo nada tem a ver com nada.
Nada de horas, nada de minutos, nada de segundos, nada de instantes, nada. O que precisamos é de nada.

— Brilhante! Como não pensei nisso antes? — exclamou entusiasmado o decano dirigente. Como poderemos então concretizar essa idéia? Qual o próximo passo? O que temos a fazer?

— Nada.

— Só isso? Simples assim? Quer dizer: ficar de braços cruzados?

— Quando o tempo deixar de existir, o nada se encarregará de tudo.

— E qual é o nosso papel ativo nesse processo.

— Ficar totalmente quieto. Nada fazer.

— Mas isso não faz sentido!

— Ainda bem. Pois é essa a idéia: o nada está além dos sentidos.

— Tem que haver algum observador nessa história. Alguma coisa que perceba o que está acontecendo para comprovar, corroborar sua existência. Uma consciência.

— Claro que existe. Esse “observador” é o nada.

— Não acha que essa idéia está metafísica demais?

— Nada importa o que eu acho. Tudo que tem importância se julga melhor do que o nada. Dessa forma corre-se o risco de se ficar sem nada.


— Muito bem. Hoje mesmo irei anunciar a todos, o que tenho em mãos para resolver definitivamente o problema do tempo: Nada.

quinta-feira, 3 de março de 2011

Dos Sofismas e comportamentos Neuropsicóticos



Eu perguntei uma vez: "estamos no caminho certo"?
Olhei dos lados, conglomerados de intrínsecas defesas pendiam sobre a mesa. Carrancuda expressão!
Eu logo quis sair correndo... Pra onde? Só havia grades!

As marcas de sangue em meu braço demonstravam que tinha ficado dias na solitária tentando espernear ou morrer, quem sabe?
Todos os raciocínios davam encontrões nas artimanhas feitas de tijolos... “macios” aqueles tijolos.

Eu gargalhava. De súbito punha-me de cócoras aninhando-me da escuridão dos anos.

Casa dos horrores malditos! Apenas um som gutural sem muito volume em patéticas palavras entravam de fininho pela fechadura. Eu apenas soluçava.

Já nos últimos dias um cadeado subjugava minhas palavras , enquanto membros e sentimentos embotados numa argamassa involuntária de sôfregos suspiros, jaziam num metabólico estupor glacial.

Fatias de neurônios boiavam num coquetel psicotrópico na visão esquálida e suprema da revolta incontida. Eu tecia devagarinho minha viagem intra/utópico/uterina, na louca tentativa de expiar meus pecados tornando-me um ser neo-celular.

Possível passagem/trecho de um esquizofrênico.