No Balcão do Quiosque

terça-feira, 14 de julho de 2009

Tango em Buenos Aires







Tango em Buenos Aires

( por Rafaella filha de Rosemari)

Nunca saí do Brasil.

Meu irmão tem um fascínio absurdo pela Europa, vive se imaginando andando por ruas Européias e vestindo grossos casacos de lã. Sonha em conhecer outros países e quem sabe até morar em algum lugar bem longe do Brasil.

Eu chego a arrepiar quando as pessoas começam a me retratar um típico dia de inverno em Londres: céu cinzento, noite em plena três horas da tarde, umidade, dias sem ver a cara do meu amigo sol... Não, definitivamente isso não me apetece.

A neve sim me encanta! Mas acho que sou ainda levada por uma imaginação infantil de fazer aqueles bonecos de neve com uma cenoura no lugar do nariz e uma cartola na cabeça. Tenho vontade de sentir as mãos congelando em meio a uma parafernália de casacos, gorros, polainas e um milhão de meias nos pés. Mas é uma vontade de passar uma tarde na neve e depois voltar para casa, algo como ir ao shopping fazer umas compras e voltar, entende?

Devo ter algum problema não é possível, pois dez em cada dez pessoas que eu conheço tem uma sincera vontade de passar uma temporada fora do Brasil, mas eu não!

A verdade é que sou realmente apaixonada pelo Brasil e tenho a idéia de que seria uma traição patriota conhecer os parques Londrinos e não conhecer a Bahia, conhecer pubs franceses e não conhecer a noite carioca... Sabe, é uma questão mais ou menos assim.

Tenho verdadeira vocação para estar em frente ao mar curtindo um bom samba, comendo camarão e contemplando um belo céu azul anil. Conhecer os mares cariocas, baianos e nordestinos me deixa eufórica só de imaginar.

Peguei certa implicância com aquelas conversas de bar onde as pessoas ficam vangloriando-se de suas viagens e falando aqueles endereços na ponta da língua para mostrar que conhecem Londres, por exemplo, tanto quanto a própria cidade natal.

-Onde você morava em Londres?

-Ah, eu morava na rua fulana com a rua cicrana.

- E você?

-Ah, eu morava na rua cicrana esquina com a rua fulana

Putz, eu posso estar errada e devo estar mesmo, mas ta aí uma coisa que me irrita é essa falação de ruas Londrinas, Parisienses, ou seja lá o que for. Aí eu fico quieta só ouvindo com uma baita cara de intelectual, por que nessas horas o melhor que se tem a fazer é isso, ficar muda e calada , pois não vou soltar em uma roda de pessoas alucinadas pela Oxford Street que eu nunca fui e não pretendo ir a lugar algum.

Eu admiro o Zeca Camargo que rodou o mundo duas vezes. O que eu não agüento é aquela história de eu trabalhei de “Au Pair” em Londres, soa mais bonito que sou médica em Londrina, mas na verdade a pessoa trabalhou de babá e vem se gabar prá cima dos outros. Esses dias eu ouvi, trabalhei com louças em Londres, puxa vida, porque a pessoa não fala lavei pratos e pronto?

Absolutamente nada contra as pessoas que vão tentar ganhar a vida em outro país, muito pelo contrário eu fico fascinada com a coragem que muitas pessoas têm em deixar a família, os amigos, sua casa, sua terra para tentar melhorar sua condição financeira. Pois eu admito não ter essa coragem não.

A verdade é que eu nunca me permiti sonhar com Paris.

Nem com qualquer coisa que me soasse estrangeiro.

Como uma criança que já sabe que não pode pedir uma boneca pára os pais no Natal e se conformou com isso.

Como uma adolescente que já sabe que não pode pedir um vestido novo para seus pais e não adianta reclamar.

Não se permite sonhar!

Eu não me permitia sonhar!

O ser humano é incrível na capacidade de enganar a si mesmo. O tempo foi passando e eu pude ir me desvendando, sem medo do que eu pudesse vir a descobrir em mim.

A gente cria uma barreira para o sofrimento altamente fantasiosa. É mais fácil tentar me convencer de que eu não preciso ir ao exterior para nada nem para simplesmente conhecer pessoalmente outra cultura do que ficar passando vontade e ficar sonhando com uma coisa impossível.

Impossível?

Será mesmo impossível?

Não dou dois anos para o meu irmão rodar a Europa.

E confesso MORRER de vontade de dançar um tango em Buenos Aires.

10 comentários:

chica disse...

No momento que manifestas essa vontade, alguma oisinha já está se mexendo e de repente estarás por lá dançando e depois, voltando...Linda tua crônica.Boa de se ler e sabes, concordo contigo que essas conversas de "aparecidas" onde querem fazer competições de ruas e lugares, é dose mesmo,rasrsrs...beijos e tudo de bom,chica

chica disse...

Esqueci de dizer que escreves muito bem e tens a quem puxar,né? beijos às duas,chica

João Esteves disse...

Não há que confundir, Rose.
Você postou um texto do qual não é a autora, mas a autora da autora.

E está em ótima companhia. É a mesmíssima situação de Alexandre Dumas na estréia de A Dama Das Camélias.

Mas aí então é aquela velha histía todo mundo sabe. Filha de peixe...

A Rafaella tem entre outros talentos (não dá pra esquecer os musicais, pois essa menina canta, toca e compõe!). Seu dom de discorrer livremente sobre um tenha opinando e sem deixar cair o interesse pro leitor, isso promete, isso é que promete!

Beijos

☆Lu Cavichioli disse...

Oi Rafa, gosto da tua sinceridade e da capacidade que tens quando sente vontade de fazer e faz! Isso não tem preço.

Você também deixa claro no texto o preconceito que as pessoas(ainda) tem, em se vangloriar que conhecem o Arco do Triunfo, o Coliseu ou mesmo a Estátua da Liberdade.
Por que o brasileiro tem essa necessidade? Eu presenciei muitas das situações que falaste na crônica (inúmeras vezes)- porque tenho uma prima que viaja muito. É um saco sabia? rsrsrs
Mas eu morro de vontade de ir pra Europa(não nego).
Já dançar (ou assistir)um tango é algo divino sabes? Quando puder vá (cuidado com a gripe A)meus sais...
Ver um tango e algo inesquecível, principalmente pelas ruas de Buenos Aires.

Adorei te ler menina., vc manda bem!
Beijos da Lu

Adorei te ler menina

Unknown disse...

Talvez se você abrisse em seu pensamento um espaço para imaginar o que as pessoas de outros lugares adotaram como solução para seus problemas, essa sua fobia por viajar e o amor pelo nosso país, entrasse em um acordo mais amistoso. Todas as soluções são diferentes.
Vale a pena conhecer outros lugares, outras pessoas, pois isso tudo é humano,a diversidade, os climas, os hábitos, e nós somos muito complexos para compreender. Com uma vista mais alargada, ficará mais fácil. Aquilo que você descreveu, é vaidade fútil, você está certa.
Comece por satisfazer o seu desejo e dance um tango em Buenos Aires. É o começo. Abra bem os olhos, pois os viajantes de hoje em dia, viajam com os olhos quase vendados de pressa. Tenha tempo.
Falando do seu texto: ele é gosto, sincero e tem o gosto de mel na língua, doce e viciante. Escreva sempre. Dizem que pé de jaca não dá manga, é verdade mesmo. Parabéns. Beijos.

Leandro soriano disse...

Viajar pode ser incluído no rol das necessidades para manter a reativação vital. Quem em a possibilidade que a concretize. O impacto de novas realidades, agradando-nos ou não, oxigenam o frescor das descobertas e auto-descobertas. Não importa para onde se vá. o Deslocamento, trinca tendências cristalizantes. Bom voyaje.

Anônimo disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Anônimo disse...

Amigos

Minha filha é uma jovem adolecente e apesar de compor letras lindíssimas , é a primeira crônica que ela escreve.
Fiz questão de postar, não pelo conteúdo , onde no final ela mesma cai em contradição, pois o jovem é pura contradição, mas o fiz, pela riqueza das palavras, pelo enfrentamento de si mesma, por ser um texto muito bem escrito, o que é difícil nos tempos de hoje.Valeu por todos os comentários . Agradeço-os de coração.
um beijão da amiga

Rose

Ramosforest.Environment disse...

Viajar é muito bom. Pra qualquer parte.
Dançar um tango em Buenos Aires, em La Cumparsita, passsear por El Caminito ou pela Feria de San Telmo com suas antiguidades. Assim, como caminhar sem compromisso pela Calle Corrientes e Florida. Ou esquiar em Bariloche, em julho.
É tão bom quanto passear pela Oxford Street, em Londres, ou pela Visconde de Pirajá, em Ipanema. Ou pela Praia de Copacabana e de Ipanema, no Rio de Janeiro. Ou em minha pequena cidade natal, no interior.
Libere seus sonhos e, assim, o mundo ficará pequeno e possível.
Eu o afirmo, por experiência própria, pois eu tenho vivido tudo isso.
Prazer em lhe conhecer em sua bonita crônica.
Abraços.

Luiz Ramos

SAM disse...

Ehhhhh minha filha está lá, pelo menos para assistir um belo show de tango. Mas voce está certíssima! No limite, a falta de naturalidade e a pompa de quem sai do Brasil ( conheço muitas que vão sim! Mas nada conhecem! No máximo o hotel, a rua, uma fotinha boba. Enfim, nada cultural ou o mínimo de retorno do investimento que fez para acrescentar em conhecimento e cultura) Para contar vantagens. É o fim! Acho a simplicidade o máximo da sofisticação. E achei sempre bonito a postura das minhas filhas quando viajam. Não espalham, não conversam aleatoriamente sobre. Não é o tema de conversa delas. Acho tudo uma questão de postura de vida e da maneira de ser. A minha filha mais velha sempre gostou de viajar, e sabe aproveitar muito bem!


Beijos e parabéns pelo texto excelente!