No Balcão do Quiosque

quinta-feira, 28 de maio de 2009

A hora do óbito

Olhei para os ponteiros. O menor estava junto ao dez e o maior deslizava ponteiramente para o vinte. Sabe, acho que nós e os ponteiros temos algo em comum. Ficamos girando, girando indefinidamente. Não gostamos muito quando algo nos atrasa o avanço ponteiriço com medo que acabe a corda; mas não vemos a hora que a hora continue segundo a segundo, tranquilamente sem alarmes.

O tic-tac — que não é o do meu coração — dá o tom, marca o passo e eu passo... passo a passo disfarçado de tempo antes que o tempo — sempre pontual — possa me encontrar na hora marcada. Isso não importa. O que importa é a porta, é a janela... alguma visão que seja benfazeja tão estonteante o quanto antes; pois antes, nada estonteava-me além de nausear-me a seriedade.

E o que possa existir de mais sério do que perceber que o tempo acabou? Que a hora já foi junto com o tempo. Que nada mais restou do que um relógio parado sem o pulso que um dia pulsou a cada segundo seguido de outro segundo... Esse ser amorfo, fluídico em conluio com os ponteiros de um relógio — não importando se é de marca importada ou se é falsa comprado em um camelô de qualquer esquina — esse mesmo relógio, que já teve o hábito de marcar o óbito sem atrasos... organicamente já demarcou a hora de nascimento que é a hora do esquecimento que o tempo já passou.

9 comentários:

Ramosforest.Environment disse...

Palavras no tempo certo. Mesmo com o contratempo do tempo.
Muito bom.
Luiz Ramos

Letícia Losekann Coelho disse...

Os ponteiros dos relógios sempre dão assunto. Teu texto tem uma construção muito legal! Parabéns.

Leandro soriano disse...

Gratos amigos Luiz Ramos e Tita Coelho. É um prazer estar aqui e compartilhar com vocês e demais leitores desta satisfação interativa e amiga.

Abraços
Leandro Soriano

Unknown disse...

Ah! nossos olhos não desviam deles o nervosismo e eles ali andando. As vezes depressa demais em outras parece que não andam.Sim eles os ponteiros do relógio. Muito bom o texto.

☆Lu Cavichioli disse...

Oi Sorinao, você trouxe um tema que sacode os cordéis da existência.
Mais que os ponteiros,o tempo, que corre com pés de velocidade da luz e que sobrevem implacável sobre todos nós.

Texto excelente!
abraços

Joice Worm disse...

Uau!
O tempo e o homem. Que sede de viver e tornar a vida eterna...
Adorei, Soriano!

Marcos Santos disse...

Muito bom. Nós somos o único animal temporal, e do tempo, somos escravos.

Anônimo disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Anônimo disse...

O que dizer de um texto escrito por um homem do tempo onde as memórias são sempre atemporais ?
Belo, belíssimo!!