No Balcão do Quiosque

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

O mundo tem o tamanho da minha visão.

Quando criança meu quintal era uma cidadela inexpugnável.Organizei batalhas que duraram séculos nas poucas horas que minha imaginação elástica, teve a permissão da criatividade para superá-la. Não houve mortos nem feridos. Apenas a dádiva da imortalidade em manhãs ensolaradas no pátio de minha casa, ou do meu vasto reino. O céu podia esperar sem pressa. Concedi glórias, aniquilei a soberba de invasores, desfrutei de conquistas, eternizei epopéias.

Hoje o mundo é pequeno. Muito pequeno. Não é mais um quintal.Tem o tamanho do meu quarto. Nesse quarto cabe a Europa, a Ásia, a África... todo longínquo espaço imaginável e inimaginável. Percorri os quatro cantos do mundo... e o meu quarto sempre esteve comigo; dimensionando meus sonhos, fortificando serenamente meus rituais de passagem para a realidade.Como o mundo é pequeno demais! Por mais que eu caminhe, as distâncias se encurtam, o tempo se esvai como neve ao sol.

Não sou pródigo. Apenas um filho que cansou de rejeitar a comida dos porcos e quer voltar pra casa mesmo que descalço. Meu apetite é cronofágico. Consumo a mim mesmo segundo a segundo. Ainda a pouco... ainda é pouco, ainda é tic... ainda é tac.As trilhas causam sulcos profundos na consciência. Trêmulas lembranças são gelatinas servidas em potes de aço. No regaço, no fundo da floresta que há em mim, ainda me resta uma ante-sala guardada a sete chaves; chaves essas perdidas por debaixo de alguma distraída saudade.

Como é minúsculo esse mundo! Como é maiúsculo o mistério que o interpenetra. Abraçá-lo é tarefa para gigantes. Rondas e rondas solares passam sem feriado cósmico. Sem descanso a roda gira e eu a observo sem ser seu servo.Olho para o campo de batalha que ficou para trás e meus olhos pesam como chumbo.O chumbo do sono; do sono que me faz sonhar; do sonho que me torna lúcido ao despertar.

3 comentários:

chica disse...

Que linda crônica,Leandro! Realmente quanto há além daquilo que conseguimos enxergar e perceber...abração e tudo de bom,chica

Paula Raposo disse...

Perfeitamente belíssimo! Adorei ler-te. Beijos nesta imensidão de nós....

João Esteves disse...

Prazerosa leitura, mas convidativa a sérios refletires. Com "As trilhas causam sulcos profundos na consciência" reforçada por "Trêmulas lembranças são gelatinas servidas em potes de aço" tive como que um vislumbre de compreensão. Claro que você diz bem mais que a superfície das palavras. Em "como neve ao sol", a evocação de uma canção italiana bem antiga: Zingara. Eta mundão pequeno!